Judeus na Ucrânia no século 20

Judeus na Ucrânia no século 20

No início do século 20, os judeus viviam em quase todas as cidades da Ucrânia. Segundo o primeiro censo geral, realizado no Império Russo em 1897, 1 milhão e 930 mil judeus viviam no território da atual Ucrânia sob o domínio dos czares, representando 9,2% do total da população. Os maiores grupos populacionais viviam no oeste e sudoeste do país. Mais de um terço da população judaica da Ucrânia Ocidental e Central ainda vivia em shtetls, onde era maioria absoluta.

No início do século 20, a Rússia czarista passava por uma grave crise político-social. O império, que desde o final do século 19 vivia uma abrupta transição do feudalismo para o capitalismo e uma rápida industrialização, ainda era governado por uma monarquia autocrática, sistema político arcaico que se chocava com o modelo econômico de capitalismo. Ademais, eram insustentáveis as desigualdades entre a privilegiada e poderosa classe de nobres e o restante da população do Império, composta em sua maioria por camponeses paupérrimos que, até sua emancipação, em 1861, haviam vivido em regime feudal de servidão.

A falta de condições de sobrevivência no campo levara um número cada vez maior deles a abandonar a zona rural. Nas cidades, eles se juntavam às fileiras das descontentes massas operárias urbanas submetidas a condições de trabalho e de vida extremamente duras. A burguesia também estava insatisfeita com o status quo, em especial face aos entraves impostos pelo governo às suas atividades e a falta de acesso à vida política. E, à medida que as ideologias socialistas e liberais iam permeando o país, crescia a convicção de que a situação econômica e social só seria resolvida através de radicais mudanças políticas.

A situação dos judeus russos era a mais precária. Além da pobreza e dos problemas econômicos e sociais, o antissemitismo e os pogroms eram sancionados pelo governo czarista. Os que moravam no território da atual Ucrânia não eram exceção, pelo contrário, pois o ódio dos ucranianos pelos judeus conseguia superar o antissemitismo russo.

Os pogroms de 1881-1884, ocorridos em grande parte em terras ucranianas, e as Leis de Maio haviam abalado profundamente os judeus de todo o Império. Ademais, o czar Nicolau II manipulava o sentimento antijudaico das massas, tentando convencê-los de que todos os “males da Rússia” eram causados pelos judeus. Panfletos e jornais com propaganda antissemita eram impressos, em sua maioria, nas tipografias do governo, inclusive os famigerados Protocolos dos Sábios de Sião, que eram distribuídos por todo o Império.

Entre os judeus também crescia a convicção de que sua situação só melhoraria se houvesse uma mudança política. O despertar social das massas judaicas deu origem a um grande número de partidos socialistas judeus. Entre eles, o Bund e o Poalei Tsion (Trabalhadores de Sion), um partido socialista-sionista. Surge também o Movimento Autonomista (também conhecido como Nacionalismo da Diáspora). Sua meta era criar uma forma secular e modernizada de autonomia nacional judaica na Ucrânia do século 20.

Havia muitos judeus, porém, que acreditavam que não havia futuro para os judeus no Leste Europeu, qualquer que fosse o sistema político. Acreditavam que os judeus só poderiam viver dignamente em Eretz Israel. Os primeiros passos do sionismo moderno foram, efetivamente, dados na Ucrânia, articulados principalmente pelo Movimento Bilu1. Em Odessa, o Movimento Sionista funda uma influente organização, que atraiu grupos de jovens intelectuais de todas as partes da Zona de Residência2. Odessa, que contava com uma numerosa e influente comunidade, tornara-se um centro intelectual judaico. Um grande número de intelectuais e ativistas se reunia em torno do Movimento Sionista e participava ativamente no trabalho de suas instituições. Entre os pensadores sionistas da época se destacavam Lev Pinsker e Achad Ha’am.

A Revolução de 1905

No ano de1905, o descontentamento, as greves e as manifestações que se alastraram por todo Império czarista culminaram na Revolução Russa de 1905. Em janeiro daquele ano, uma marcha espontânea, contando com mais de um milhão de pessoas, dirigiu-se ao Palácio de Inverno do czar Nicolau II, em São Petersburgo. Os manifestantes reivindicavam, entre outros pontos, liberdades civis e o fim da censura. Os guardas do palácio metralharam os manifestantes para impedir que a multidão se aproximasse, originando um terrível massacre que ficou conhecido como “Domingo Sangrento”.

Diante do clima de revolta, o czar lançou um manifesto que garantia liberdades civis básicas e criava a Duma – uma Assembleia Legislativa que congregava representantes de todas as classes sociais e permitia a ação de partidos políticos. Dois anos antes, em 1903, ainda na clandestinidade, o Partido Operário Social Democrata Russo (POSDR), o mais importante dentre os partidos russos, havia-se dividido em dois: o Partido Menchevique e o Bolchevique. Esse acontecimento foi crucial para o futuro da Rússia. Mais moderado, o Partido Menchevique adotara uma interpretação ortodoxa do pensamento marxista e defendia uma reforma política e econômica gradual, com o apoio da burguesia. Por outro lado, o Partido Bolchevique, mais radical e majoritário, defendia uma revolução proletária na qual o governo seria diretamente controlado pelos trabalhadores.

Para os judeus, a crise de 1905 teve consequências dramáticas. O governo czarista passou a instigar a violência contra os judeus e, bandos de rua armados (as Centúrias Negras) atacaram judeus em dezenas de cidades e vilarejos. No período de 1903 a 1907 ocorreram 691 pogroms que deixaram milhares de vítimas. Cerca de 660 ocorreram na Ucrânia e Bessarábia, o mais violento em Kiev. Na época viviam em Kiev cerca de 80 mil judeus. A violência só cessou em 1907, mas continuou a campanha antissemita do governo czarista, incitando o ódio aos judeus.

O caso Beilis

O Caso Beilis, ocorrido na Ucrânia entre 1911 e 1913, foi uma clara demonstração dos sentimentos antijudaicos do governo czarista. No dia de Tisha B’Av de 1911, Mendel Beilis, um judeu de Kiev, é preso sob a acusação de matar um jovem cristão por “motivos religiosos”. A prisão ocorreu dois meses após ter sido encontrado o corpo mutilado de um garoto cristão de 12 anos, Andrei Yushchinsky. Os verdadeiros assassinos – uma gangue de ladrões – já estavam na custódia da polícia, no entanto, as forças reacionárias haviam conseguido que o então ministro da Justiça, I.G. Schcheglovitov, declarasse que o assassinato havia sido perpetrado por “razões religiosas”. A Procuradoria de Kiev manda libertar os verdadeiros assassinos e, publicamente, acusa Beilis e todo o Povo Judeu pelo crime hediondo. Nicolau II, ao receber a notícia da prisão de Beilis, demonstra, publicamente, sua profunda satisfação em saber que um judeu fora acusado.

A imprensa de direita orquestra uma intensa campanha difamatória contra os judeus. Não era a primeira vez, nem a última, que as autoridades os usavam como bode expiatório, nem tampouco era a primeira vez que explorava uma acusação para fins políticos. Mas nunca antes uma campanha de difamação atingira tamanha intensidade. Em outubro de 1913, logo após Yom Kipur, inicia-se, em Kiev, o julgamento de Beilis. Supreendentemente, porém, e apesar das pressões e manipulações, um júri popular, composto em sua maioria por camponeses, declara Beilis inocente. Mas as suspeitas de que os judeus eram “maus e traidores” estavam profundamente arraigadas no subconsciente da população.

A 1ª Guerra Mundial

A Ucrânia foi palco de sangrentas batalhas durante a 1ª Guerra, com intensos combates na Ucrânia Ocidental. A entrada da Rússia na Guerra acelerou o colapso do Império Czarista. Os exércitos do czar, que não estavam preparados para enfrentar o poderio militar da Alemanha, sofrem uma derrota atrás da outra. Na frente ucraniana, à medida que as forças russas iam debandando, seus soldados atacavam as populações judaicas.

Em fevereiro de 1917, a miséria e as derrotas sofridas nos campos de batalha levaram o povo a se revoltar. Em 15 de março, as forças de oposição (liberais, burguesas e socialistas) depuseram Nicolau II, dando início à Revolução Russa de 1917. Nessa primeira fase, conhecida como Revolução de Fevereiro ou Revolução Branca, foi estabelecida uma república de cunho liberal. Mas teve vida curta, pois, em novembro daquele mesmo ano, o Partido Bolchevique derrubou o governo provisório. A Revolução de Outubro, como é chamada, impôs o governo socialista soviético.

A implantação do regime bolchevique desencadeou uma guerra civil. Para os judeus, com a Revolução Bolchevique foram abolidas as restrições que os confinavam à “Zona de Residência”. Apesar dos bolcheviques serem contrários à religião – fosse ela cristã ou judaica – eles se opunham, em teoria, ao antissemitismo e a qualquer forma de discriminação contra os judeus ou contra qualquer outra minoria. Em 1918 o Conselho dos Comissários do Povo adotou um decreto condenando todo tipo de antissemitismo e conclamando os operários e camponeses a combatê-lo.

Uma batalha pela Ucrânia – 1917 a 1921

A 1ª Guerra Mundial viu o colapso dos Impérios Austríaco e Russo e o crescimento do movimento nacional pela autodeterminação da Ucrânia. Logo após a Revolução Bolchevique inicia-se, na Ucrânia, uma luta militar pelo controle da região entre forças ucranianas nacionalistas pró-independência e os bolcheviques ucranianos que queriam estabelecer na região o domínio soviético. Uma luta semelhante à que hoje está sendo travada na região.

Do conflito participaram, também, forças militares de outras nações: o Exército Branco anti-bolchevique e o Exército Vermelho que se enfrentavam na guerra civil russa, os exércitos da Alemanha, da Áustria-Hungria e da Polônia, além de vários bandos anarquistas de cossacos.

Os ucranianos nacionalistas estabeleceram-se em Kiev, onde criaram um Conselho Nacional (Rada), que, em janeiro de 1918, proclamou a independência da República Nacional da Ucrânia (RNU) e sua separação da Rússia. As facções ucranianas bolcheviques, no entanto, boicotaram as iniciativas do governo e instigaram conflitos armados, querendo estabelecer o poder soviético na região.

Em dezembro de 1917, um exército de 30 mil homens da Guarda Vermelha3 russa pôs-se em marcha em direção à Ucrânia para ajudar as facções pró-soviéticas.

A República Socialista Soviética da Ucrânia(RSSU), pró-soviética, é criada em 1919, tendo Cracóvia, ou Kharkiv, como capital. Naquele mesmo ano, o território ucraniano é invadido a leste pelos soviéticos e, em 1920, a oeste pela Polônia. Em 1921, o Exército Vermelho já havia conquistado dois terços da Ucrânia e a RNU é anexada à RSSU.

A luta pela independência nacional ucraniana terminou com uma Ucrânia dividida e subjugada por outras nações. A República Socialista Soviética da Ucrânia passa a integrar a ex-URSS. E a Polônia anexa a República Nacional do Oeste da Ucrânia, inclusive Lviv, que havia sido criada na Galícia, em 1918.

Com esse desmembramento do território ucraniano, um número considerável de judeus ficou sob domínio polonês, mas a grande maioria, mais de 1,5 milhão, ficam sob domínio soviético.

Os judeus e a guerra pela independência

A guerra pela independênciaconstitui um capítulo especial na história dos judeus da Ucrânia. Muitos haviam aderido ao movimento nacionalista ucraniano, o que fez com que fosse substancial a participação judaica na luta pela independência ucraniana. Na Galícia Oriental, por exemplo, ucranianos e judeus lutaram conjuntamente contra as forças polonesas.

Os partidos políticos judaicos das mais diferentes ideologias – dos socialistas judaicos aos revisionistas sionistas – uniram-se à Rada. Querendo melhorar as relações com a população judaica, e manter seu apoio na luta pela independência, políticos ucranianos comprometeram-se a dar aos judeus igualdade plena, direitos comunitários e individuais, e uma autonomia comunitária. Prometeram, também, a indicação de um ministro de Assuntos Judaicos no Gabinete ucraniano, a destinação de uma parcela de impostos estaduais para programas educacionais judaicos e outros propósitos, e a declaração do iídiche como um idioma oficial do Estado.

Após a declaração de independência da República Nacional da Ucrânia, os judeus passaram a ser representados na Rada por 50 delegados; foi estabelecida uma Secretaria de Assuntos Judaicos, nomeado um ministro e aprovada uma lei sobre “autonomia pessoal nacional”. Mas, em julho de 1918, a autonomia foi revogada e a Secretaria dissolvida.

Ademais, desde outubro de 1917 uma onda de violência contra a população judaica alastrara-se por toda Ucrânia, só terminando em maio de 1921. Nesse período, foram atacadas 530 comunidades judaicas, na sequência de 887 pogroms, e mais de 156 mil judeus foram brutalmente assassinados. Todas as facções que lutaram durante a guerra pela independência da Ucrânia participaram, em maior ou menor grau da violência, mas a maior parte dos pogroms, cerca de 40%, foram perpetrados por tropas ucranianas.

Durante o governo nacionalista de Symon Petliura (1919-1920), os pogroms foram uma constante. Ao invés de coibir suas tropas, Petliura fechou os olhos para a violência antijudaica. Em 1926, ele foi assassinado em Paris, onde se refugiara, por um judeu da Bessarábia, Sholem Shvartsbard, que o considerava responsável pelos pogroms. Após um julgamento polêmico e controverso, ele foi libertado. (Ver Morashá 77). Hoje na Ucrânia Petliura é considerado um herói nacional que lutou pela independência ucraniana.

A Guerra Civil de 1918-21 trouxe em seu bojo a maior violência, não vista desde o século 17, contra os judeus da Ucrânia. E, apesar desses horrores hoje parecerem mínimos perante o terror do Holocausto, e, serem às vezes relegados ao esquecimento, foram das piores catástrofes da História Judaica.

Poder soviético

Sob domínio soviético, a República Ucraniana Socialista Soviética, a Ucrânia, passou a ser uma das 15 repúblicas, que, em 1922, formaram a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Era a segunda mais poderosa república, econômica e politicamente, superada apenas pela República Socialista Federativa Soviética da Rússia. No entanto, apesar disso, ou talvez por causa disso, era vítima de um tratamento particularmente duro por parte do governo central.

Viviam, então, na Ucrânia 1,5 milhão de judeus, que representavam cerca de 5% da população total. E, apesar de 300 mil judeus terem deixado a República para se estabelecer em outras partes da então União Soviética, representavam 60% do total dos judeus que viviam na URSS.

Era grande o número deles nos grandes centros urbanos, principalmente, em Kiev, Mykolaiv, Kharkiv, Donetsk, Odessa e Dnipropetrovs, que abrigava então a segunda maior população judaica da Ucrânia, depois de Kiev. Na década de 1920, os judeus já representavam 22% da população urbana ucraniana.

O iídiche era o idioma falado por 97% dos judeus locais em 1897 e, em 1926, 76,3 % ainda o consideravam a língua-materna. Nos primeiros anos do domínio soviético, a Ucrânia (juntamente com a Bielorrússia) tornou-se um centro de cultura iídiche desprovida de qualquer conteúdo religioso. Escolas, teatros, jornais e editoras foram fundados como, também, o “Instituto Judaico de Cultura Proletária na Ucrânia”, vinculado à Academia Ucraniana de Ciências. Coleções judaicas etnográficas foram criadas e ampliadas. No final da década de 1930, durante os expurgos stalinistas, quase todas essas instituições foram eliminadas.

A Ucrânia sempre foi vista com desconfiança por Moscou. Os líderes soviéticos sabiam que a nacionalidade e a língua ucraniana eram um elemento de grande peso, e que teriam que enfrentar uma contínua resistência e incessantes insurreições, a menos que fizessem grandes concessões à autonomia cultural ucraniana.

No início da década de 1920, o regime soviético, querendo harmonizar seu relacionamento com as repúblicas da ex-URSS, adotou uma política chamada korenizatsiya, cujo significado era “nativização” ou, no sentido literal, “arrancar raízes”. Sob o lema “nacionalista em sua forma, mas socialista em seu conteúdo”, encorajava o desenvolvimento das artes e da cultura das diversas minorias, principalmente dos idiomas reprimidos pelos governos czaristas. Permitia, também, às lideranças locais, ocuparem postos administrativos nos governos e na burocracia das respectivas repúblicas. O objetivo era prevenir o desenvolvimento de movimentos antissoviéticos.

Apesar da ideologia marxista questionar a legitimidade de uma identidade nacional judaica, os judeus foram incluídos nakorenizatsiya. Essa política gerou conflito entre os judeus e os ucranianos. Sendo eles a nacionalidade predominante, os soviéticos encorajaram a “ucranização” da República. Entre outros, o idioma ucraniano tornou-se o idioma oficial e aumentou o percentual de ucranianos no Partido Comunista local.

Os judeus optaram por se aproximar dos russos, uma minoria nessa república, mas a nacionalidade dominante na então URSS. Essa aproximação e o fato de muitos judeus terem tido participação na Revolução Russa fez com que eles passassem a ser associados com os bolcheviques e a opressão soviética. Surge, então, mais um elemento no imaginário antissemita ucraniano: a figura do “judeu-bolchevique”, isto é, do “opressor judeu-comunista”.

Era Stalinista
1927 a 1953

A partir da subida ao poder de Joseph Stalin, em 1927, a ex-URSS sofreu uma transformação radical. Stalin procurou reformar a sociedade através de um planejamento econômico agressivo realizado através de planos quinquenais, que visavam a coletivização da agricultura e uma industrialização de base acelerada.

Com poder quase ilimitado, seu governo, um brutal regime totalitário, foi marcado por execuções e expurgos múltiplos. Há historiadores que acreditam que o número de vítimas da era stalinista pode ter chegado a 20 milhões. Todas as armas eram utilizadas para eliminar os “inimigos”. Se verdadeiros ou imaginários, isto era irrelevante; a sobrevivência do sistema de poder criado por Lênin e Stalin dependia de sua existência.

Para Stalin, a Ucrânia tornou-se um laboratório de testes para o processo de reestruturação soviética. Ademais, ele estava decidido a eliminar o sentimento nacionalista ucraniano, que considerava uma ameaça ao regime, e pôr um fim “ao problema da lealdade ucraniana dividida”.

É indiscutível o antissemitismo de Stalin, bem como a sua determinação de se livrar, de alguma forma, dos judeus enquanto judeus. Mas, até a década de 1940, ele manteve uma atitude pública cautelosa, já que muitos dos principais bolcheviques eram judeus ou casados com judias. O que não o impediu, no entanto, de perseguir qualquer manifestação do espirito judaico.

Em 1929, Stalin dá início a uma campanha contra a cultura ucraniana e judaica, reprimindo brutalmente os aspectos “nacionais” das duas culturas. O russo, por exemplo, substituiu o ucraniano em todos os estabelecimentos oficiais. Os judeus viram suas instituições culturais, teatros e escolas serem fechados; e as publicações judaicas reduzidas ao mínimo. As atividades religiosas e sionistas tiveram que ir para a clandestinidade. No final da década de 1930, a maioria dos envolvidos na propagação da religião judaica ou do sionismo haviam sido presas.

As perseguições contra opositores políticos, intelectuais e escritores – judeus e não judeus – atingiram proporções absurdas. Milhares foram presos, enviados ao exílio ou executados. Após ter retirado de circulação todas as pessoas que poderiam se transformar em líderes de qualquer movimento de resistência, Stalin passa a atacar o campesinato, o real núcleo das tradições ucranianas. A “guerra” travada contra os camponeses ucranianos era, de certa forma, empreendida contra a consciência nacional ucraniana.

Em 1928, ele implantou uma política de requisição compulsória de cereais, que autorizava o governo a se apropriar de todo o cereal cultivado pelos camponeses, pagando um preço muito abaixo dos custos de produção. Em seguida, deu início à coletivização forçada das propriedades agrícolas. Foi na Ucrânia que a política de coletivização deparou-se com a mais violenta resistência – que não impediu, entretanto, que o processo já estivesse praticamente completo por volta de 1932.

Stalin também impôs metas de produção e de confisco de grãos, se fosse necessário, para atingir tais metas, que só poderiam ser alcançadas caso os ucranianos parassem de se alimentar. O resultado não deve surpreender: a fome se alastrou e por volta de 5 milhões4 de ucranianos morreram de fome entre 1932-1933.

Ainda na década de 1930, as autoridades soviéticas estabeleceram quatro distritos judaicos autônomos no sul da Ucrânia e na Crimeia. Foram implantadas amplas fazendas coletivas, cujos membros eram, em sua maioria, judeus. Sua criação causou mais uma vez um grande atrito entre judeus e nacionalistas ucranianos. As fazendas funcionaram até a 2ª Guerra Mundial, quando forças alemãs as ocuparam e mataram seus habitantes.

A Shoá

Na Ucrânia, entre 1,4 e 1,5 milhão homens, mulheres e crianças foram assassinados – a maioria executados a tiros pelosEinsatzgruppen5.

Para os judeus da República Ucraniana, o pesadelo nazista teve início no dia 22 de junho de 1941, quando a Alemanha deu início à Operação Barbarossa, a invasão da União Soviética. Esse acontecimento foi decisivo no Holocausto, pois deu início ao genocídio sistemático de judeus, com a destruição metódica e organizada de comunidades inteiras, mesmo antes de entrarem em funcionamento as câmaras de gás.

O avanço para o Leste das forças nazistas foi rápido; em apenas dois meses conquistaram a Ucrânia, o leste da Polônia, a Letônia, Estônia e Lituânia, a Bielorrússia e o oeste da República Russa. À medida que os alemães avançavam e forças soviéticas batiam em retirada, milhões de militares e civis – judeus e não judeus – eram evacuados ou fugiam mais para o Leste. Mas nem todos conseguiram. Historiadores acreditam que cerca de 2,4 milhões de judeus – em sua maioria mulheres, idosos e crianças – ficaram presos nas áreas sob domínio nazista.

A Ucrânia foi a primeira das repúblicas soviéticas a ser ocupada pelos nazistas – Kiev caiu em 19 de setembro. À véspera da invasão viviam na República Ucraniana Socialista Soviética (incluindo os recém-anexados territórios da Galícia Oriental e Volínia Ocidental) aproximadamente 2,3 milhões de judeus. Como grande parte deles viviam na região ocidental, eles não conseguiram escapar antes da chegada da Wehrmacht, tampouco conseguiram fugir os judeus que viviam nos shtetls. Apenas os que estavam no sul e na parte oriental da Ucrânia tiveram tempo de fugir. Até recentemente, não havia sido possível confirmar os números. As poucas informações se deviam, em grande parte, à política soviética que procurava ignorar o fato de que a maioria das vítimas dos massacres era composta por judeus.

Desde os primeiros dias da ocupação da Ucrânia, os nazistas iniciaram a perseguição e matança de judeus. Unidades deEinsatzgruppen, passaram a cercar judeus, comunistas e outros grupos e a executá-los a tiros. Eles contavam com a ativa e entusiástica colaboração da população. Os alemães sabiam que, no Leste Europeu, durante séculos, os judeus haviam sido odiados e amaldiçoados, perseguidos e mortos e uma das “tarefas” dos Einsatzgruppen era organizar, entre a população local, grupos de assassinos. Estavam confiantes de que os antissemitas poderiam facilmente perpetrar assassinatos em massa, e estavam absolutamente certos. Sem tal participação, teria sido impossível que as matanças atingissem a escala que de fato tiveram.

Em toda a Ucrânia, antes mesmo de os nazistas iniciarem a matança, a população local foi responsável por sangrentos pogroms. Para muitos ucranianos a invasão nazista foi vista como a libertação do jugo soviético, na percepção de muitos, o “opressor judeu-comunista”. Ainda não se tem certeza se a eclosão desta violência fez parte nas discussões pré-invasão entre a Inteligência Alemã (Abwehr) e membros da Organização de Nacionalistas da Ucrânia (OUN), liderada por Stepan Bandera6. Sob a liderança militante de Bandera, a OUN organizou as Waffen SS Ucranianas da Galícia e as Divisões Nichtengall e Roland, que participaram do assassinato de judeus. (Em 2010, o ex-presidente ucraniano Yushchenko elevou Stepan Bandera a “herói da Ucrânia”, que é hoje o maior ícone político da direita nacionalista). Além desses grupos militantes, milhares de ucranianos se voluntariaram para ajudar os nazistas participando da perseguição e do assassinato de judeus. Milhares se tornaram guardas nos campos de extermínio. O fato de a polícia alemã ter mais de 120 mil membros da polícia ucraniana à sua disposição, permitiu aos nazistas, rapidamente, identificar e reunir os judeus em grandes grupos que, a seguir, eram conduzidos para locais ermos onde, um a um, família após família – homens e mulheres, velhos e crianças – eram mortos a tiros.

Poucos foram os ucranianos que protestaram, entre eles, Andrei Sheptytsky, da Igreja Grego-Católica-Ucraniana, que condenou publicamente a violência contra os judeus e resgatou crianças, escondendo-as em sua rede de conventos e mosteiros.

Em novembro de 1941, dois terços da Ucrânia estavam sob a administração civil alemã – o Reichskommissariat Ukraine (RKU). Rapidamente, os nazistas impuseram sobre os judeus as medidas adotadas em outros países, colocando-os fora da jurisdição da lei e obrigando-os a usar a Estrela de David. Os homens eram levados aos campos de trabalho forçados e foram criados guetos na Ucrânia Ocidental. Quando os judeus eram despojados pelos alemães de seus pertences, ucranianos tentavam se aproveitar da situação, passando a se apossar e saquear propriedades de judeus.

O primeiro assassinato em massa de mulheres e crianças ocorreu em julho de 1941, em Ostrih, na Volínia. O genocídio assumiu uma nova dimensão após o massacre organizado em agosto pelo líder SS, Friedrich Jeckeln, em Kamianets-Podilskyi. Entre os dias 27 e 29 desse mês, os nazistas mataram a tiros 23.600 judeus. Em setembro, os assassinatos em massa continuaram na Ucrânia Oriental. O maior massacre aconteceu em Babi Yar, ravina nos arredores de Kiev, onde mais de 30 mil judeus foram assassinados.

Na primavera de 1942, os nazistas passaram a “organizar” os que haviam sobrevivido às chacinas – a maioria na Ucrânia Ocidental, de acordo com sua capacidade de trabalho. Consequentemente, intensificou-se o assassinato de mulheres e crianças. Judeus da Galícia selecionados para destruição foram deportados no campo da morte em Betzec, e recomeçaram as execuções em massa na Volínia e em Podília e na região de Mykolaiv. Em julho de 1942, aproximadamente 600 mil judeus ainda estavam vivos. Mas, a maioria foi vítima da campanha de assassinatos executada entre julho e novembro daquele mesmo ano.

O terror nazista pegara os judeus ucranianos totalmente desprevenidos. Essa foi a principal razão pela qual os nazistas não enfrentaram maiores obstáculos durante a primeira onda de matança. Mas, a situação mudou em 1942, principalmente durante os ataques aos guetos. Houve tentativas de fuga em massa em direção às florestas e, quando ficou claro que os nazistas pretendiam liquidar os guetos, iniciou-se a resistência armada, inicialmente. na Volínia Ocidental e, em 1943, também na Galícia.

De 1944 a 1991

No final da guerra, pouco restara da comunidade judaica ucraniana e os judeus que sobreviveram defrontaram-se com um violento antissemitismo ao tentarem recuperar suas casas e propriedades.

A preservação pública da memória do Holocausto durou pouco, desaparecendo completamente das comemorações oficiais. Os anos do pós-guerra foram caracterizados pelo silêncio oficial soviético em relação ao sofrimento singular dos judeus durante o Holocausto. As autoridade davam ênfase ao mito da “Grande Guerra Patriótica” e aos comunistas mortos, negligenciando completamente o fato da identidade judaica de 1,5 milhão de vítimas. A linha oficial referia-se a eles como os “pacíficos cidadãos soviéticos”. Foi somente a partir do final de 1980 que começaram a surgir esforços governamentais e, posteriormente, públicos para manter a memória do Holocausto e integrar esse período à história da Ucrânia.

Na Ucrânia, o antissemitismo oficial, algumas vezes encoberto com um leve verniz de anti-sionismo, assim como da população em geral, era especialmente proeminente. Em 1963, por exemplo, a Academia de Ciências da Ucrânia publicou um trabalho de Trokhym Kichko, Iudaizmbez prykras (Judaísmo sem Embelezamento), uma obra abertamente antissemita.

No início de 1960, dissidentes ucranianos e judeus intensificavam suas atividades, os primeiros pedindo mudanças políticas e os últimos defendendo a livre emigração para Israel. Embora suas demandas fossem diferentes, a necessidade por mudanças era algo que os dois grupos compartilhavam e havia contatos informais entre os movimentos.

Com o início da Era da Glasnost, o movimento ucraniano predominante na luta por mudanças era o Rukh, que adotara uma postura amistosa em relação aos judeus da Ucrânia quanto do Estado de Israel. Quando, em maio de 1990, o Pamiat, organização de extrema direita russa, clamou pela violência antissemita, o Rukh fez uma exitosa campanha contra tais ataques, convencendo muitos ucranianos judeus de que o movimento nacional democrático merecia o seu apoio.

Após 1991

A Ucrânia tornou-se oficialmente independente em 1991, com o colapso da então União Soviética. Ao longo dos anos 1990, o país enfrentou uma dura trajetória na transição da economia socialista planificada para uma de mercado.

No final do período soviético, os judeus tinham começado a emigrar rapidamente, principalmente para os Estados Unidos e Israel. Segundo o censo de 2001, cerca de 380 mil judeus escolheram partir. Representavam três quartos da população judaica do país.

No entanto, o judaísmo ucraniano mostrava impressionante vitalidade.  Uma comunidade forte permaneceu em Kiev, inicialmente organizada sob a liderança de Yaakov Dov Bleich, um chassídico americano que se tornou rabino-chefe da Ucrânia durante os últimos anos de dominação soviética. Uma rede de escolas judaicas e sinagogas surgiu nos centros mais importantes, principalmente em Kiev, L’viv e Dnipropetrovs’k, e muitos edifícios que haviam sido confiscados pelo regime da URSS foram devolvidos à comunidade. Jornais judaicos em russo circulavam e instituições culturais foram reavivadas, como o Museum Tkuma do Holocausto e o Centro de Pesquisa em Dnipropetrovs’k.

A comunidade judaica ucraniana é hoje uma das mais numerosas da Europa. Vivem no país cerca de 70 mil judeus praticantes e mais de 300 mil ucranianos têm origem judaica. Até a atual crise Ucrânia versus Rússia, eles constituíam uma comunidade florescente. Mas, a crise política que está dilacerando o país também esta afetando a vida dos judeus. Muitos se perguntam até que ponto as lutas internas vão alimentar o enraizado antissemitismo ucraniano, e se serão obrigado a deixar o país…

BIBLIOGRAFIA
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Heifetz, Elias,The Slaughter of the Jews in the Ukraine in 1919: [1921] Cornell University Library, 2009

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Levine, Naomi, Jews in Soviet Union (Vol. 1): A History From 1917 to the Present, NYU Press

Meir,Natan M. Kiev, Jewish Metropolis: A History, 1859-1914 (The Modern Jewish Experience), Ed. Indiana University Press, 2010

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 Movimento Bilu – um acrônimo do versículo bíblico de Isaías: Beit Ya’akov Lechu Venelcha (“Ó Casa de Yaakov, subamos (à Terra de Israel)”, era um movimento cujo objetivo era a colonização agrícola da Terra de Israel.
2 Zona de Residência – Zona de assentamento judeu na Rússia Imperial (1791-1917). Este termo designava uma determinada região do Império Russo destinada exclusivamente aos judeus, sendo a sua residência proibida no restante da Rússia.
3  Guarda Vermelha ou Exército Vermelho é o nome abreviado do “Exército Vermelho dos Operários e dos Camponeses”. Criado por Leon Trotsky, bolchevique, durante a guerra civil russa, foi desmantelado em 1991. O nome faz referência à cor vermelha, símbolo do socialismo, e ao sangue derramado pela classe operária em sua luta contra o capitalismo.
4  De  acordo com os dados oficiais do governo ucraniano foram 7 milhões
5 Einsatzgruppen – esquadrões especiais homicidas preparados pelos líderes da SS em antecipação à invasão.

Fonte: http://www.morasha.com.br/comunidades-da-diaspora-1/judeus-na-ucrania-no-seculo-20.html – Edição 85 – Setembro de 2014.

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Os Judeus e a Medicina

Os Judeus e a MedicinaMédico italiano em visita ao paciente. iluminura do cânone de medicina de avicena

por Sergio D. Simon

Há algum tempo, no final de uma consulta, recomendei à minha paciente que procurasse um determinado especialista para acompanhá-la junto comigo. A paciente, uma senhora já idosa, católica, ostentando um grande crucifixo no pescoço, me pediu: “Doutor, o senhor se incomodaria de me recomendar um outro especialista, mas um que fosse judeu?

Minha avó, que era portuguesa, sempre nos ensinou que devíamos procurar médicos judeus, porque esta é uma velha tradição na nossa família. Parece que em Portugal, há séculos, se recomenda, sempre que possível, que se procure um médico judeu, porque são os melhores”. Surpreso com esta observação, decidi buscar fontes históricas que confirmassem o que me contava essa senhora.

E foi sem muito esforço que descobri que realmente, ao longo de muitos séculos, na Europa, reis e nobres, famílias abastadas e até o próprio Papa, optavam, quando possível, por médicos judeus. Essa figura arquetipal de um médico judeu remonta até mesmo à Babilônia do século III, onde se dizia que um sábio talmúdico de nome Samuel, que se expressava em aramaico, era tão conhecedor da anatomia humana e das regras higiênicas dos judeus que era capaz de curar todas as doenças, menos três1.

O grande livro de Medicina do povo judaico, o Sefer Refuot, entretanto, apareceu por volta do século IV, escrito por Assaf ben Berechiahu (também conhecido por Assaf ha Rofé) e Yohanan ben Zabda. É um livro que abrangia conhecimentos médicos da Mesopotâmia, do Egito, da Índia e dos países mediterrâneos da época, principalmente da Grécia. Acompanhava o livro um “Juramento de Assaf”, que, de maneira muito interessante, é bastante parecido com o Juramento de Hipócrates usado pelos formandos em Medicina até os dias de hoje. Entre outros tópicos, o Juramento de Assaf proíbe o médico, por exemplo, de causar intencionalmente a morte de um doente por meio de ervas ou poções; obriga o médico a guardar segredo sobre seus pacientes, além de inúmeras outras considerações que continuam bastante atuais.

O Sefer Refuot advoga que os médicos dediquem especial atenção aos pobres, num cuidado social provavelmente originado nos escritos dos profetas. O Sefer Refuot estabeleceu entre os judeus a figura singular do médico como uma profissão diferenciada, a ser cultuada com muito estudo e muita humildade. Talvez daí venha a fama dos judeus como especialmente ligados à arte da cura. Existem ainda 15 manuscritos completos do Sefer Refuot, todos em coleções de museus europeus, a mais bem conservada no Museu de Munique.

No século XII, por exemplo, no Cairo, um rabino-filósofo judeu de nome Moshe, que se expressava em árabe e era grande estudioso da Lei e da Medicina judaicas, era procurado durante as Cruzadas tanto por monarcas cristãos quanto por califas muçulmanos, devido à eficácia de suas curas.

Na Europa medieval, entretanto, a grande figura médica judaica foi, sem dúvida, Maimônides. Moshe ben Maimon, também conhecido pelo acrônimo de Rambam, nasceu em Córdoba, na Espanha, provavelmente em 1135, tendo morrido no Cairo em 1204 e levado a Israel para ser enterrado em Tiberíades. O grande Maimônides, homem de intelecto privilegiado, tornou-se um grande filósofo, cientista e rabino, tendo lançado as bases da fé judaica como a conhecemos hoje em dia. Sua obra Mishne Torá, em 14 volumes, ainda tem considerável autoridade canônica como uma grande compilação da lei talmúdica.

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Moshe Ben Maimon, Maimônides

Grande conhecedor das bases da Medicina grega, Maimônides publicou dez volumes sobre temas médicos, entre eles a grande farmacopeia da época, com 405 parágrafos sobre todas as drogas então conhecidas, e com todos os nomes por ele traduzidos para o árabe, o grego, o siríaco, o persa, o berbere e o espanhol. Maimônides praticou medicina no Marrocos e no Egito, onde se tornou uma referência na época, recebendo pacientes de regiões tão distantes como o Iraque e a Espanha.

Mas nesta mesma Europa medieval, vários éditos e legislações tentavam proibir que médicos judeus atendessem pacientes cristãos. Uma delas, por exemplo, promulgada por Carlos II na Provença, em 1306, dizia especificamente: “Ordenamos que ninguém, quando acometido por enfermidade, busque um médico judeu ou qualquer outro infiel para conseguir dele, ou através dele, conselhos e tratamentos. Um médico judeu chamado por um cristão pagará uma multa de 10 libras da nova moeda (reforsas) e, se ele se recusar a pagar dita multa, ele será flagelado…”. Mas estes éditos, aparentemente, eram ignorados por grande parte da população. A figura do médico judeu era simplesmente muito forte no imaginário popular. Tanto assim que, em 1341, o Sínodo de Avignon revogou esta ordem, de maneira muito clara, alegando “utilidade pública”, “urgência” e “escassez de médicos cristãos”. Aparentemente a própria Igreja sabia que não era possível proibir o acesso dos cristãos aos médicos judeus.

O próprio Papa Nicolau IV tinha como seu médico de cabeceira o Mestre Gaio, o Judeu (Isac ben Mordechai) até sua morte, em 1292. E o importante Papa Bonifácio IX (papado de 1389-1404) teve dois médicos judeus: Angelo Manuelis, amigo íntimo e declarado “familiaris” pelo papa, e Salomão de Matasia de Saubauducio, que continuou depois como médico do Papa Inocêncio VII, que sucedeu Bonifácio IX.

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Portrait de moses hamon, médico de
suleiman, o magnífico. gravura em
madeira, nicolas de nicolai’s, lyon 1568

Entre o alto episcopado católico o quadro não era muito diferente. Em 1398 o poderosíssimo Don Pedro Tenório, Arcebispo de Toledo, contratou o Mestre Haim Ha-Levi como seu médico particular. Já o Bispo de Avignon, Don Nicolau, contratou em 1443 o médico Bonsenior Vitalis, que aparece pouco depois como médico também do Arcebispo de Aix-en-Provence. Inúmeros outros exemplos de altos clérigos da Igreja contratando serviços de médicos judeus são bem documentados também na Alemanha, em Portugal, em Luxemburgo e na Espanha.

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Corte transversal do olho, identificando as membranas e os humores aquosos.
manuscrito da provença, c. 1400

E quando chegamos aos próprios padres da Igreja Católica, há inúmeros registros de contratos de médicos judeus em conventos europeus. Na mesma Toledo do Arcebispo Don Pedro Tenório, seus padres apressaram-se a contratar os médicos Yosef (Yucaf) e Avraham, o primeiro por um pago de 333 maravedís2 por ano, o segundo por apenas 200…

Todos os dignatários da Igreja sabiam que transgrediam a lei. Numa interessante carta de queixas de Arnoldo de Villanova ao Rei Frederico III de Nápoles, esta frustração fica clara: “Não há um só convento que não haja contratado médicos judeus. Vemos que o costume é de que nenhum outro médico entre nos conventos, a menos que seja judeu. Isto tanto nos conventos dos padres quanto nos das freiras…”. Alguma reação era esboçada pela Igreja, como o Cabildo Catedral de Cartagena, em Murcia, que, em 1470, substituiu um médico judeu por um cristão chamado Martin Jaimes, argumentando que “será preferível ter um médico cristão do que um judeu atendendo a Igreja”. Com o mesmo sentimento, entretanto, os padres do mosteiro de Burgos também reconhecem que seria melhor um cristão, mas acabam contratando Rabi Samuel (Simuel) como médico da instituição, com um salário de mil maravedís por ano. Assim, a medicina dos poderosos europeus era, quase sempre, praticada por médicos judeus ao longo de toda a Idade Média.

A situação piorou muito para os judeus europeus no fim da Idade Média e nos séculos da Renascença. A partir do século XV, a Igreja Católica aumentou muito seu discurso contra “os inimigos da cruz”, e esta perseguição e discriminação acabaram levando à expulsão dos judeus da Península Ibérica e ao aparecimento da Inquisição. Mesmo nessa época, entretanto, os médicos judeus continuavam em voga. Os anciãos religiosos (“anziani”) de Lucca, por exemplo, eram temerosos de continuar empregando médicos judeus devido à intensa propaganda antijudaica da Igreja. Mas passaram a instituir, então, uma dispensa papal (“bolla”)para manter empregado o médico judeu que os atendia, um certo Dr. Samuel. Há ampla documentação de dispensas papais para médicos judeus a partir de 1426, quando o Papa Pio II permitiu que dois médicos judeus atendessem cristãos. A última delas foi para “Doctor Benjamin (Gullielmo) Salamonis”, um médico judeu de Massa, na Itália. Essas dispensas papais eram documentos complexos, nas quais se externava a esperança de que, através do contato diário com pacientes cristãos, os médicos judeus encontrassem o verdadeiro caminho da salvação. As dispensas lembravam ainda aos médicos judeus que eles deveriam permitir a extrema-unção aos seus pacientes cristãos, e, inclusive, induzi-los a isto.

2aEm visita ao doente. praga, c. 1780. óleo sobre tela. museu judaico

Mas a dispensa papal não era garantia de emprego e segurança para os médicos judeus da época. Há casos como os de Mestre Elia, na cidade de Assisi, e de Daniel da Castro, na cidade de Bagnoregio, que terminaram desempregados. Apesar de possuirem abolla papal, a população não mais se sentia à vontade em pagar pelos serviços de um médico judeu, não pela sua eventual falta de competência, mas simplesmente por ser judeu, numa época de grande perseguição por parte da Igreja Católica. Quando se observa a deterioração global da relação entre judeus e Igreja Católica na época, com acusações fantásticas, instituição do ghetto em várias cidades européias, restrições à prática da usura, e, finalmente, a sua expulsão de vários países, não é de se admirar que a relação com os médicos judeus também tenha sofrido enormemente. Mas, mesmo assim, os médicos judeus continuaram sua prática por toda a Europa.

Descrições da época mostram como eram vistos e como agiam os médicos. Relatos detalhados de Kalonymus ben Kalonymus, de Arles, e de Shem Tov Falaquera, de Navarra, mostram os médicos como pessoas de destaque e respeito na sociedade, mas muitas vezes com uma certa arrogância e pompa, por eles ridicularizada. Ambos descrevem como o médico, vestindo um rico manto bordado, atendia em sua casa vários pacientes de uma só vez ou fazia visitas domiciliares a pacientes acamados. Tomavam o pulso, examinavam a língua e os olhos, cheiravam o hálito do doente e analizavam longamente um frasco de urina contra a luz de uma janela antes de darem seu diagnóstico e de receitarem laxantes, remédios à base de ervas, aquecimento do corpo e aplicação de sanguessugas.

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1. Sigmund Freud  2. Albert Sabin  3. Jonas Salk  4. Rita Levi-Montalcini  5. Robert Koch 6. Paul Ehrlich

A situação dos médicos judeus na Europa, com um misto de admiração e ódio por parte dos cristãos, só veio a se modificar com o advento da Revolução Francesa e do movimento do Iluminismo alemão, que permitiu o acesso de estudantes judeus às grandes universidades.

Devido à longa tradição médica judaica na Europa, as faculdades de Medicina receberam um grande número de estudantes judeus, desproporcional à sua distribuição na sociedade. Ao longo de todo o século XIX os judeus foram ocupando postos de destaque na pesquisa médica européia, principalmente na Alemanha e na Áustria. Vários professores catedráticos foram preenchendo vagas nas grandes universidades.

Em 1930, apesar de décadas de forte antissemitismo europeu, os estudantes judeus ocupavam 11% das vagas nas faculdades de medicina na Alemanha – todos expulsos já em 1933, meses após a ascensão de Hitler ao poder.

Portanto, não foi surpresa quando, nos primeiros 100 anos de outorga do Prêmio Nobel, constatou-se que 26% dos laureados em Medicina eram judeus! Este número, absolutamente fora das proporções esperadas para um povo que constituia 1% da população européia na época, se deve à longa ligação do povo judeu com a Medicina.

De Assaf HaRofé a Maimônides, passando por toda a classe médica judaica da Idade Média, chegando aos gigantes do século XX, como Robert Koch, Paul Ehrlich, Karl Landsteiner, Sigmund Freud, Otto Meyerhof, Rita Levi-Montalcini e inúmeros outros, a Medicina tem sido um grande campo de atuação do povo judeu.

Assim, ficou claro que minha paciente, pedindo-me uma indicação de um médico
que fosse judeu, seguia apenas uma tradição secular européia: a de associar judeus à boa medicina.

1              Não há referência na bibliografia sobre quais seriam essas três doenças.
2              Maravedí: Moeda de ouro ou prata (“maravedí de plata”) da Península Ibérica, usada principalmente na Espanha dos Almorávidas. Provem do árabe marabet.

+Sergio D. Simon é médico e presidente do Museu Judaico de São Paulo.

Fonte: Revista Morashá – Edição 91 – Abril de 2016

http://www.morasha.com.br/historia-judaica-moderna/os-judeus-e-a-medicina.html

 

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Memorial da Imigração Judaica

 Memorial da Imigração Judaica

 

Memorial da Imigração Judaica

A cidade de São Paulo ganha o seu primeiro Memorial da Imigração Judaica. Localizado na sede da Sinagoga mais antiga do Estado, a Kehilat Israel, na Rua da Graça, no bairro do Bom Retiro, o museu reúne importante acervo com documentos e obras raras que narram a história e a contribuição dos imigrantes judeus ao desenvolvimento do Brasil desde os seus primórdios.

“O Memorial da Imigração Judaica do Brasil surge como uma nova e importante instituição a ser incluída no roteiro histórico e cultural não só da cidade, como do País”, afirma o Rabino Toive Weitman, coordenador da nova instituição.

Alguns judeus estavam no navio de Pedro Álvares Cabral e, no século 17, já havia uma comunidade estabelecida em Recife, na época sob domínio holandês. Raridades como objetos, vestimentas, documentos e livros do século 17, vindos de diversos países, são algumas das obras do precioso acervo. O Memorial terá entrada gratuita e contará, de forma didática, a história e contribuições que os judeus trouxeram ao País.

Na noite da inauguração, prestigiada por lideranças comunitárias, autoridades e descendentes dos imigrantes, palavras emocionadas marcaram os discursos que relembraram a trajetória dos primeiros judeus a se instalar no Brasil, plantando as sementes de uma comunidade que ajudou a construir a cidade e o País. Homenagens foram prestadas àqueles que permitiram a concretização do projeto e, também, a sua continuidade nas décadas seguintes: as famílias Steinbruch, Safra, Dayan e Leiman. Não faltaram, também, palavras de agradecimentos a todos que, de uma forma ou outra, contribuíram e ainda contribuem para iniciativas que garantem a manutenção da cultura, tradições e valores judaicos.

“Nesta noite prestamos uma homenagem a todos os imigrantes. Somos todos imigrantes ou filhos de imigrantes deste País que nos recebeu tão bem e nos deixa tão à vontade para realizar muitas coisas. Tínhamos a obrigação de criar este Museu da Imigração Judaica e restaurar a mais antiga sinagoga do Estado de São Paulo. Ela pode ser pequena em tamanho, mas é gigante em sua história e lembranças dos pioneiros e heróis que aqui fundaram a comunidade judaica de São Paulo, em 1912. E este é um Memorial que preserva a nossa história, os nossos valores e costumes, de forma extremamente profissional e tecnológica. Mas este é apenas o primeiro passo, pois através da colaboração de toda a coletividade, com fotos e documentos, cada um ajudando dentro das suas possibilidades, cresceremos cada vez mais”, disse Benjamin Steinbruch ao falar em nome da família. A Sinagoga Kehilat Israel foi renomeada em homenagem a seus pais, Dora e Mendel Steinbruch.

Entre as inúmeras peças expostas, o Memorial traz preciosidades como o diário de viagem de Henrique Sam Mindlin (da família Mindlin, da Metal Leve e da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin). O diário, escrito em 1919, quando o garoto de apenas 11 anos, narra sua migração de navio de Odessa (Ucrânia) até o Rio de Janeiro. Outra raridade é o livro Diálogos de Amor, de 1580, escrito por Judah Leon Abravanel (ou Abrabanel), também conhecido, em italiano, como Leone Ebreo, de Veneza. Ele era filho do renomado Rabi Don Isaac ben Judah Abravanel, que, no ano de 1492, após os reis Fernando e Isabella terem proclamado o Edito expulsando todos os judeus da Espanha, em desesperado apelo, atira-se aos pés dos Reis Católicos, pedindo-lhes a revogação de tão infame decisão. Infelizmente, em vão. Abravanel foi um antepassado do apresentador Silvio Santos. Também ali se encontra um documento com mais de 250 anos utilizado pelos imigrantes marroquinos como talismã, que contém frases cabalistas de proteção e saúde, em hebraico.

Um sonho realizado

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 O projeto para criação do Memorial surgiu no ano de 2004, quando os responsáveis pela sinagoga Kehilat Israel manifestaram o desejo de que fosse preservada a lembrança e a história dos pioneiros que construíram aquele templo. A partir da ideia de que os imigrantes judeus estão no Brasil desde o século 17 e, em decorrência de sua contribuição histórica para a construção de valores e da cultura brasileira, idealizou-se este Memorial para preencher uma lacuna sobre a história judaica. “É uma forma de gratidão do povo judeu ao acolhimento oferecido pelo Brasil em quase 400 anos, desde que se instalaram por aqui, e uma homenagem aos imigrantes judeus que aqui aportaram”, explica o rabino Toive Weitman.

Sem título

Por trás da ideia do memorial está o rabino Y. David Weitman, que sugeriu como ponto de partida do projeto reunir relatos, objetos, livros, documentos, roupas, entre outros, das seis ondas migratórias judaicas que aqui chegaram desde o século 17. Para se tornar realidade, o Memorial contou com o apoio de um grupo de idealistas e patrocinadores, o que possibilitou a reforma e ampliação dos cinco andares da Sinagoga, mantendo a fachada original. O Memorial passa a ser uma nova opção no roteiro histórico-cultural da cidade. Além da mostra permanente que contempla diversas obras, pretende receber exposições temporárias.

O sonho começou a se tornar realidade em dezembro de 2012, quando foi lançada a pedra fundamental do Memorial, na presença do então prefeito da cidade, Gilberto Kassab, e do grão-rabino de Israel, Ionáh Metzger. Simultaneamente, iniciou-se um extenso trabalho de pesquisa com a participação de historiadores do Arquivo Histórico Judaico Brasileiro e da BASE 7 Projetos Culturais, responsável pelo projeto arquitetônico e expográfico, e pelo Conselho Curador da entidade.

Para organizar o acervo, a equipe do Memorial contou com a ajuda da comunidade judaica, que costuma guardar lembranças e histórias para recordar seu passado e não deixar que as futuras gerações percam seus costumes, valores e ideais mantidos nos últimos séculos.  Os imigrantes e seus descendentes doaram parte de seus objetos, documentos, livros, roupas, entre outras relíquias, ajudando a recontar a importância histórica da presença judaica desde os primórdios do Brasil.

“O Memorial nos surpreende pelo tratamento humano, afetivo e pedagógico que foi dado a seu acervo, graças à adoção de uma novíssima concepção museológica, permitindo ao visitante vivenciar de modo intenso e abrangente os conteúdos expositivos. Os temas religiosos, históricos e culturais são apresentados de modo atrativo, pela interatividade ou pelos meios tecnológicos de representação que enriquecem nossa relação com os temas abordados. Assim, as narrativas se tornam fascinantes”, comenta o curador-mor do Memorial, professor Fábio Magalhães.

Ações educativas fazem parte do projeto museológico, que receberá visitas monitoradas de escolas. História, arte e cultura em um só lugar, que será referência para aqueles que procuram cultura e conhecimento. “Criamos o Memorial da Imigração Judaica para preencher a lacuna que faltava sobre a imigração do nosso povo. O Brasil sempre foi um país tolerante, que recebeu os imigrantes de braços abertos; e grupos de outras origens, como, por exemplo, os italianos e japoneses, já possuíam centros próprios que retratam sua história e percurso desde o país de origem. E, até hoje não tínhamos nada parecido sobre a comunidade judaica no Brasil”, afirma Breno Krasilchik, presidente do Conselho Consultivo do Memorial da Imigração Judaica.

Fazem parte do Conselho Curador do Memorial Fábio Magalhães, curador mor, e os membros Ary Diesendruck, Bernardo Lerer, Daniel Anker, Gershon Knispel, Guilherme Faiguenboim, Isser  Korik, Joel Rechtman, Marcio Pitliuk, Maria Luiza Tucci Carneiro,  Paulo Valadares, Rachel Mizrahi, Reuven Faingold, Silvio Band, Terezinha Davidovich, Vera Frank e o Rabino Y. David Weitman.

Design interno e conteúdo

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Ações educativas fazem parte do projeto museológico, que receberá visitas monitoradas de escolas. História, arte e cultura em um só lugar, que erá referência para aqueles que procuram cultura e conhecimento.

No primeiro andar do Memorial está localizada a Sinagoga Kehilat Israel, que conserva as características originais de sua inauguração em 1912, e está totalmente restaurada e preservada. Ao subir as escadas, o visitante é recebido por um áudio nas diferentes línguas faladas pelos imigrantes judeus que aportaram no Brasil. No segundo andar, estão expostos objetos e documentos históricos que retratam o ciclo de vida de um judeu, do nascimento à morte, e, também, dos hábitos e costumes milenares.

Vídeos educativos e interativos apresentam alguns dos principais costumes e valores judaicos, as distintas tradições e diferenças regionais. Celebrações, feriados e festividades são destacados, dentre elas, o casamento. Para isso, foi montada uma chupá, com uma taça virtual que pode ser quebrada, assim como em uma cerimônia de verdade.

Do lado direito, foi construída uma grande galeria com imagens de diversas famílias imigrantes. Telas interativas com as legendas dos personagens estão à disposição dos visitantes. Além disso, judeus podem encontrar seus antepassados consultando estes monitores.

A comida é entendida como nutrição espiritual e repleta de simbolismos e benefícios. Uma mesa virtual e interativa foi montada com diferentes receitas, que variam conforme as datas comemorativas. Junto com o Memorial foi criado um centro de estudos e pesquisas para que o tema da imigração judaica continue a ser estudado. Referência para pesquisadores e todos interessados em aprofundar na cultura e conhecimento do povo judaico, o Centro de Estudos e Análise do Acervo – CEAA está localizado nesta parte do Memorial.

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Em 2017 será inaugurado o acervo do terceiro andar. Os 12 países de origem dos imigrantes, as conquistas pelo mundo, as diferentes razões para a imigração são alguns dos temas apresentados no último andar, onde será montado também o espaço dedicado ao Holocausto, relembrando esta parte da história.

6.pngA inauguração foi prestigiada por autoridades de governo e representantes diplomáticos e comunitários

No subsolo estão expostos painéis tecnológicos e interativos, e uma galeria de personalidades judaicas já falecidas que contribuíram, no decorrer dos séculos, para o desenvolvimento do Brasil. Em outra ponta, foi montada uma grande mesa que projeta um antigo mapa do bairro e como as diversas organizações judaicas foram-se estabelecendo na região. Uma loja com artigos e livros da cultura judaica e uma lanchonete com comidas típicas também foram montadas no subsolo.
O Memorial estará aberto de domingo a sexta-feira, das 10h às 17h. Para agendamento de grupos que queiram fazer uma visita guiada, será necessário marcar comantecedência.

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A inauguração do Memorial foi prestigiada pelas seguintes personalidades: Floriano Pesaro, secretário de Desenvolvimento Social de São Paulo representando o governador Geraldo Alckmin; Gilson Donizete Marçal,   representando o Ministro da Cultura, Juca Ferreira; Marcelo Mattos Araujo, secretário estadual da Cultura; Ari Friedenbach, vereador por São Paulo; Marcos da Costa – presidente da OAB; Fernando Lottenberg, presidente da Confederação Israelita do Brasil; Bruno Lascovsky, presidente da Federação Israelita do Estado de São Paulo; Yoel Barnea e Osias Wurman, Cônsules de Israel; Jack Terpins, presidente do Congresso Judaico Latino Americano, e muitos outros.

Aqueles que possuem documentos antigos, objetos da cultura judaica, livros, ketubot, etc. e quiserem doar ou emprestar esses artigos ao Memorial, queiram, por favor, comunicar-se com Yasmin, pelo telefone 3331-4507, São Paulo.

  • Crédito – fotos: Andre Nehmad e Lilian Knobel

Fonte: Revista Morashá – Edição 91 – Abril de 2016 – http://www.morasha.com.br/brasil/memorial-da-imigracao-judaica.html

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Honrar o Pai e a Mãe de forma fácil

O Talmud prescreve cinco modos de cumprir o preceito de Honrar o Pai e a Mãe:

  • Levantar-se quando eles entram no recinto:
  • Não os contradizer ou envergonhar diante dos outros:
  • Alcançar-lhes algo como um copo d´água, chinelos etc.;
  • Ajudá-los a sentar, entrar, levantar, sair, andar etc.;
  • Não sentar-se na cadeira onde eles geralmente sentam.
O rabino Naftali Shmuel Yonah no seu livro “Reverenciar os pais e honrá-los” cita mais um preceito:
  • PENSAR BEM DO PAI E DA MÃE – somente com pensar bem dos nossos pais já estamos cumprindo uma boa parte deste precioso mandamento:O fator principal do quinto dos Dez Mandamentos, de honrar o pai e a mãe é honrá-los dentro dos nossos corações – local onde ninguém afora o Altíssimo tem acesso.

Os nossos pais precisam ser importantes aos nossos olhos. É preciso imaginá-los como as pessoas mais grandiosas e importantes do mundo, ainda que a maioria das pessoas não os vejam deste modo.

 

A pessoa que pensa coisas não tão boas dos pais transgride este mandamento e precisa mudar seu modo de pensar à respeito dos seus progenitores.

Sempre pensar coias boas do pai e da mãe, e sempre lembrar os bons momentos que passaram juntos e lições aprendias com eles, consultá-los sobre como proceder com relação a este ou aquele assunto.

Procurar aprender com eles lições de Torá e pedir a D-us que os guarde e conserve com saúde.
Esquecer qualquer incidente do passado e desculpá-los constantemente.

Jamais dizer qualquer coisa ruim para eles ou deles para qualquer pessoa ou algo que possa ser interpretado em detrimento do bom caráter ou integridade moral dos pais.

“Aquele que confia no Eterno, será sempre cercado por benevolência”

Fonte:   Escrito por Pessach (Paulinho) Rosenbaum – Qui, 31 de Março de 2016 22:17

http://www.tropicasher.com.br/old/index.php/mn-cronicas/1061-honrar-o-pai-e-a-mae-de-forma-facil

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Os tesouros de Beit She’an

Os tesouros de Beit She'an

Os tesouros de Beit She’an

“Se o jardim do Éden está localizado na Terra de Israel, seus portais estão em Beit She’an”. Estas palavras, pronunciadas pelo rabino e sábio Simeon Ben-Lakish no século III da Era Comum, procuram resumir a beleza da cidade instalada em uma das regiões mais estratégicas e férteis de Israel antigo, entre o Lago Kineret e o Rio Jordão – o Vale de Jezreel.


Mencionada inúmeras vezes na Bíblia, Beit She’an é atualmente um dos sítios arqueológicos mais importantes do país, no qual pode ser vista uma das maiores e mais bem preservadas ruínas já escavadas de cidades do período de dominação romana e bizantina.

A história de Beit She’an é muito antiga. Situada no cruzamento de várias estradas, tem sua importância estratégica confirmada pelas escavações e descobertas arqueológicas feitas na região. Foi rota fundamental para as caravanas e também centro administrativo do governo egípcio, provavelmente no início do século XV antes da Era Comum. Segundo a Torá, o Vale de Beit She’an pertencia à tribo de Issachar, mas a de Menasseh ocupou parte do território. Controlada por diferentes povos ao longo de sua história, Beit She’an é citada no Livro de Samuel (31:9), em referência à batalha que o rei Saul e suas tropas venceram contra os filisteus, próximo ao Monte Gilboa. Preferindo morrer a se render, foram decapitados e tiveram seus corpos pendurados pelos inimigos nas muralhas da cidade. Depois da derrota de Saul para os filisteus, a cidade foi capturada pelo rei David, à exemplo do que fizera em Meguido e Ta’anach. Durante o reinado de Salomão a cidade foi incluída na administração distrital dos vales da região.

Atualmente, vindo do Lago Kineret (também chamado de Mar da Galiléia) e através do Rio de Jordão, chega-se ao Vale de Beit She’an, região na qual são encontrados inúmeros moshavim e kibutzim. O rio forma a fronteira entre Israel e a Jordânia. A cidade conta com aproximadamente 15 mil habitantes. A principal rua da moderna Beit She’an leva o nome de Rei Saul.

Uma história antiga

Em virtude do andamento das escavações, não há ainda muitas informações sobre os primórdios da cidade. No entanto, através do estudo das várias camadas existentes é inegável que o povoamento foi contínuo, na região. Os primeiros habitantes lá teriam vivido no Período Calcolítico, em cavernas encravadas nas rochas do ponto mais alto da montanha. Moradias simples de tijolos apareceram no início do terceiro milênio antes da Era Comum. Há também muitas evidências de uma cidade datada desse mesmo período, estendendo-se rumo à face leste da montanha.

Uma das construções encontradas possui uma estrutura fina de tijolos e telhados de juncos, recobertos de gesso, e um amplo saguão. Deve ter sido um depósito público ou um armazém. Os indícios mostram que o local foi incendiado. Foram encontrados, também, vasos decorados nas cores preto e vermelho. Estas evidências levaram os estudiosos a concluir que imigrantes vindos do nordeste das regiões da Anatólia e do Cáspio estabeleceram-se em Beit She’an. Durante a Idade Média do Bronze (primeira metade do segundo milênio antes desta Era), a cidade passou por um processo de decadência, perdendo a importância que tinha, até então. Durante a Idade Final do Bronze e no início da Idade do Ferro (séculos XV e XII antes da Era Comum), a cidade recuperou o seu status e, a exemplo de Meguido, foi um importante centro da administração imperial egípcia no norte de Canaã. De fato, é freqüentemente mencionada nos documentos reais egípcios e nos textos referentes ao governo dos faraós do Novo Reino.

O centro administrativo, dentro da cidade murada, incluía a residência do governador, edifícios públicos, um armazém real e um bairro residencial para a família dos oficiais. Relativas ao período foram encontradas várias estelas reais e restos de templos, confirmando a importância de Beit She’an para o poder central egípcio. O controle deste último sobre a região de Canaã terminou em meados do século XII, antes da presente era, quando a cidade foi destruída por um incêndio. A entrada dos filisteus e das tribos israelitas teve início após o enfraquecimento das forças do Egito.

A cidade foi totalmente destruída pelo rei assírio Tiglat Pileser III, quando conquistou o reino de Israel em 732 antes da Era Comum. Esta região foi novamente povoada durante o governo de Alexandre, o Grande, na segunda metade do século IV antes da era comum. Durante os Períodos Helenístico, Romano e Bizantino, Beit She’an se tornou conhecida como Scythopolis.

Fontes históricas mencionam várias vezes a cidade ao descrever o conflito entre os herdeiros do império construído por Alexandre, o Grande – ptolomaicos e selêucidas – pelo controle sobre a Terra de Israel. Há também referências às guerras com os hasmoneus para se libertarem do jugo selêucida. No início do Período Helenístico a cidade se situava apenas no alto da montanha. Durante o governo selêucida, quando a cidade já havia avançado sobre a área de Tel Itztaba, onde foram encontrados vestígios de um bairro residencial, foi-lhe concedido o status de “polis” – metrópole grega.

Quando o Império Romano conquistou a região, em 63 desta Era, Beit She’an era a cidade mais importante do norte de Eretz Israel. Durante a revolta contra o domínio romano, em 66 da Era Comum, a população judaica foi massacrada.

Romanos e bizantinos

A hegemonia romana sobre a região iniciou-se quando Pompeu, general e membro do triunvirato que governava o Império, estabeleceu o poder de Roma sobre a Judéia. Neste processo, Scythopolis desempenhou um papel central na administração regional. Tendo-lhe sido outorgados privilégios especiais, acabou ganhando o status de polis romana, ou seja, uma cidade importante na estrutura do império. Foi a maior cidade da Decápolis, uma aliança que incluía dez cidades helenizadas, nove das quais localizadas à leste do rio Jordão. A construção de um novo centro urbano no vale, à sudoeste da montanha, começou no século I da Era Comum, mas não há muitos dados sobre os edifícios deste período, pois foram destruídos e incorporados a um intenso projeto governamental de construção, em anos seguintes.

Durante os reinados dos imperadores Adriano, Antoninus Pius e Marcus Aurelius, no século II da Era Comum, o império viveu uma fase de paz, segurança e prosperidade econômica, como comprovam os extensos e sofisticados projetos arquitetônicos das cidades romanas. Scythopolis foi um dos mais arrojados exemplos de planejamento urbano avançado e cuidadosamente detalhado, com portões que separavam a área urbana das demais. No vale, à sudoeste do topo do monte, foi construído um novo centro cívico.

Ao lado das avenidas principais, com longas fileiras de colunas, foi erguido um templo para deuses romanos, a basílica, as fontes e as casas de banho públicas. Ao sul desta área, localizava-se o complexo de lazer, com o teatro e o anfiteatro.

A arquitetura e estilo de vida vigentes na cidade, no entanto, começaram a se modificar depois que o cristianismo foi declarado religião oficial de Roma, no século IV desta Era, por determinação do imperador Teodósio. No ano de 409, Teodósio dividiu Eretz Israel em três distritos. Beit She’an tornou-se capital do distrito número dois – Palestina Secunda, que incluía também a Galiléia. Este foi um período de reconstrução da cidade e de restauração dos seus edifícios, atingidos pelo terremoto em 363 da Era Comum.

Durante o Período Bizantino, do século IV ao VII da Era Comum, o centro urbano de Scythopolis passou por grandes mudanças, com a destruição dos templos pagãos. A fonte e as casas de banho foram mantidas na região oriental, enquanto uma instalação maior foi construída ao sul. A basílica foi transformada em uma praça, o piso de algumas ruas foi decorado com mosaicos e novas lojas foram abertas. Muitas placas com inscrições foram descobertas nos locais restaurados, evidenciando o envolvimento da administração provincial. A maior parte da população era cristã, mas restos de uma sinagoga judaica e de uma samaritana também demonstram a existência dessas comunidades. No século VI, com 40 mil habitantes, a cidade atingiu a sua maior área territorial, com bairros residenciais e igrejas construídas também fora dos muros.

Scythopolis rendeu-se ao controle muçulmano em 635 da Era Comum e foi renomeada “Beisan”. Em 18 de janeiro de 749 a cidade foi novamente destruída por um terremoto. Grandes quantidades de vasos, objetos de metal e vidro, além de jóias, moedas de ouro e prata foram encontradas no local, bem como ossadas.

No século XII, quando os cruzados chegaram à Terra Santa, construíram uma pequena cidade, com o objetivo de controlar as estradas e impedir a entrada dos muçulmanos. Mas Beit She’an nunca foi reconstruída, permanecendo apenas como um pequeno vilarejo árabe, nos últimos séculos. No início do século XX, os judeus voltaram a povoar e área e, em 1990, Beit She’an já contava com uma população que somava aproximadamente 14.800 habitantes, predominantemente sefaradita.

Tesouros do passado

Os monumentos mais impressionantes descobertos nas escavações em Beit She’an datam dos Períodos Romano e Bizantino, mas trazem também fortes marcas do Helenismo. Um altar dedicado a Zeus Akraios é uma indicação de que lá existiu um templo em sua homenagem, assim como um pouco mais adiante, há um outro destinado ao culto de Dionísio. Um pedestal em frente a este último tem uma inscrição em grego, com o nome do Imperador Marcus Aurelius (161-180), que começa com os dizeres. “Com boa sorte”. Os residentes da cidade de Nysa-Scythopolis…. “O templo foi destruído pelos cristãos no século IV, mas sua bela fachada permaneceu intacta”. É do mesmo período a casa de banhos escavada, com paredes e pisos revestidos de mármore. Em uma das paredes havia uma fonte e, nas outras, nichos para estátuas, das quais foram encontrados fragmentos um piso abaixo. O monumental teatro é a construção dos tempos romanos em melhor estado de conservação. Com 110 metros de diâmetro e capacidade para oito mil pessoas, foi projetado em três blocos e construído com pedra calcária. A descoberta foi em 1950, pelo arqueólogo S. Appelbaum.

A sinagoga localizada em Tel Itztaba, na parte norte da cidade bizantina de Scythopolis, foi encontrada nas escavações de 1960. Construída em direção ao noroeste, possui um piso de mosaico e formas geométricas, sem nenhuma imagem humana ou animal. Em suas paredes há símbolos como a menorá e o shofar. Uma das inscrições do mosaico do piso é em grego, mas com as letras do alfabeto aramaico.

Fora das muralhas de Beit She’an, nos arredores do Monte Gilboa, está o Kibutz Hefzibá, no qual pode ser visto o piso da Sinagoga de Beit Alpha, datada do século VI – um mosaico com os doze signos do zodíaco com seus nomes escritos em hebraico e aramaico. Foi desenterrado por fazendeiros quando preparavam o solo para a instalação de equipamentos de irrigação. Próximo a Beit Alpha está Tel Hammam, uma réplica exata das primeiras paliçadas e torre de observação do povoado, construída em 1936.

Graças às escavações arqueológicas, atualmente é possível caminhar pelo anfiteatro romano ou pelas amplas avenidas cercadas por colunas e, através delas, vislumbrar a grandiosidade um dia vivida por Beit She’an.

Bibliografia

· http://www.mfa.gov.il

· http://www.jewishmag.com

· http://www.myjewishlearning.com

· Israel, Editora Bonech Steimatzky

Fonte: http://www.morasha.com.br/historia-de-israel/os-tesouros-de-beit-she-an.html- Edição 48 – Abril de 2005

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De Israel para o mundo

De Israel para o mundo

De Israel para o mundo

Da irrigação por gotejamento aos pesticidas naturais, as inovações israelenses estão ajudando a alimentar milhares de pessoas em todo o mundo, mas principalmente nos países em desenvolvimento.


Em 1850, a população mundial somava    pouco mais de 1 bilhão e 200 mil pessoas. Cem anos mais tarde, este número praticamente duplicou, passando para 2 bilhões e 500 mil. No ano 2000, ultrapassou a marca dos 6 bilhões e, cinco anos mais tarde, a dos 7 bilhões e 300 mil.

A expectativa, segundo um estudo realizado pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) divulgado recentemente, é que, em 2050, o total de habitantes no planeta seja superior a 9 bilhões e, em 2100, a 11 bilhões. Ainda segundo o estudo, a maior taxa de crescimento populacional nas próximas três décadas estará concentrada na África.

Diante deste quadro, a humanidade se defronta desde já com um desafio do qual não pode mais se esquivar: como alimentar tal contingente. Segundo o relatório, para atender esta demanda a produção mundial de alimentos deve crescer cerca de 70%. Como alcançar este volume, considerando a tendência de redução das terras cultiváveis, a escassez de recursos hídricos e a mudança climática, de modo geral?

Com quase 70 anos de existência, o moderno Estado de Israel tem dedicado a maior parte das últimas décadas a encontrar respostas para esses desafios. Com recursos hídricos escassos e mais de 50% de seu território composto por solos áridos e semiáridos, cerca de 80% da água distribuída em Israel é reciclada e o país surge no cenário internacional como um celeiro de inovação no universo da sustentabilidade, colocando à disposição do mundo as mais avançadas tecnologias para o aumento da produção agrícola por hectare cultivado com menor desperdício, redução do volume de água utilizado, fabricação de fertilizantes menos agressivos e ferramentas para piscicultura, entre outras, sem perder de vista um ponto importante: a segurança alimentar. Atualmente, cerca de 65% das exportações de vegetais de Israel saem do deserto de Aravá, no sul do país.

Se os recursos hídricos naturais potáveis são escassos para atender às necessidades do país, é preciso, então, produzi-los. Dito desta forma, pode parecer sem sentido. No entanto, é exatamente o que Israel tem feito nos últimos anos, buscando soluções para sua realidade de país árido. Nessa trajetória, a dessalinização, por décadas repudiada por muitos como cara, surge como alternativa, pois está-se tornando mais barata, mais limpa e mais eficiente em termos energéticos graças aos avanços tecnológicos e o surgimento do método de osmose reversa.

A dessalinização entrou de tal forma na agenda de prioridades nacionais que o país abriga hoje aquela que é considerada a maior usina de seu tipo no mundo. Instalada em um terreno arenoso a 15 quilômetros ao sul de Tel Aviv, a Usina de Sorek produz 40 bilhões de galões de água potável por ano, o suficiente para cerca de um sexto dos quase oito milhões de israelenses.

Ainda no setor de água, a Tal-Ya Water Technologies desenvolveu bandejas plásticas reutilizáveis para coletar orvalho, reduzindo a água necessária para cultivo de produtos agrícolas ou árvores em até 50%. As bandejas quadradas dentadas, feitas de composto plástico reciclado e reciclável diferente do PET, com filtros UV e um aditivo de pedra calcária, cercam cada planta ou árvore. Com a variação de temperatura ao longo da noite, o orvalho se forma na superfície da bandeja da Tal-Ya, que canaliza o orvalho e a condensação diretamente para as raízes. Caso chova, as bandejas – que já estão à venda – aumentam o efeito de cada milímetro de água em 27 vezes.

Por uma agricultura melhor

Dos campos da Califórnia aos da China, passando pela América do Sul e Europa, a tecnologia israelense faz-se presente nas suas diferentes manifestações. Netafim, Bio Bee, AutoAgronom, Sembiotics são nomes da indústria do Estado Judeu que, há décadas, já fazem parte da agenda internacional quando o tema em pauta é a alimentação da crescente população mundial. É cada vez maior o número de multinacionais que fazem aquisições em Israel visando aumentar o seu portfólio de produtos e melhorar a sua performance.

A lista de exemplos inclui o conglomerado chinês Shenyang Yuanda Enterprise Group, que comprou a pequena startup AutoAgronom por US$ 20 milhões, nova companhia que atua na área de irrigação por gotejamento; e a gigante norte-americana John Deere, que adquiriu há alguns anos parte das ações da Netafim, a maior empresa de Israel da área de microaspersão e irrigação por gotejamento.

A tecnologia do sistema Root Sense, da Agronom, foi o que atraiu a atenção dos chineses, que acabaram por comprar a startup. Seus sensores fazem uma análise do tipo de solo e das condições climáticas ao redor das raízes através de algoritmos avançados, determinando a quantidade exata de água e nutrientes adequados para cada tipo de grão. Denominada de “solução sob medida”, já se mostrou eficiente em mais de 70 tipos de cultivos, aumentando a produtividade e reduzindo o volume de água em mais de 50% e o de fertilizantes em 70%. A empresa conseguiu ser incluída em um programa de aceleração de desenvolvimento tecnológico denominado MassChallenge voltado justamente às startups israelenses.

Criada em 2008 após uma década de pesquisas e desenvolvimento por Nissim Danieli, um fazendeiro com ampla experiência em sistemas de controles, a Agronom criou um sistema composto de sete sensores, um medidor e um software com capacidade de alcance de 101 hectares. A diferença entre a tecnologia da Agronom e as diversas oferecidas no mercado reside num ponto fundamental: sua capacidade de analisar os dados e decidir automaticamente o que fazer; o software acoplado permite o monitoramento em tempo real da área coberta, facilitando a identificação de problemas. Os demais sistemas fazem a análise dos dados, mas cabe aos produtores a tomada das decisões.

Para os especialistas em agricultura, não há dúvida de que o surgimento da irrigação por gotejamento foi um dos maiores avanços do setor nas últimas décadas. Desenvolvido pelo engenheiro hídrico Simcha Bass, é responsável pela redução do volume de água nos cultivos. A primeira grande fábrica de equipamentos de irrigação por gotejamento foi fundada em 1965 no Kibutz Hatzerim, a Netafim. Desde então, a empresa instalou mais duas unidades em dois kibutzim e está presente em mais de 70 países, inclusive o Brasil. Além de sistemas sofisticados para grandes áreas cultivadas, a Netafim desenvolveu um produto para pequenas propriedades. Denominado Tipá, literalmente “gota”, está sendo utilizado por 700 agricultores familiares do Senegal, permitindo-lhes obter três colheitas ao ano, e não apenas uma, como costumavam fazer. Depois da Netafim, várias outras companhias israelenses entraram neste setor.

Mais um produto israelense que está beneficiando diretamente os produtores da África e da Ásia foi desenvolvido pela GrainPro Cocoons, uma espécie de casulo para armazenamento e conservação da produção de grãos. Resistentes e adequados aos diferentes produtos, foram criados pelo especialista em tecnologias de alimentos, professor Shlomo Navarro, e mantêm os alimentos secos e protegidos de pragas. Os casulos estão sendo distribuídos mesmo em países que não mantêm relações diplomáticas com Israel, como por exemplo o Paquistão, substituindo os cestos tradicionalmente usados pelos agricultores de países mais carentes e, portanto, mais propícios à contaminação.

Segurança alimentar

A questão ambiental e a segurança alimentar fazem parte da agenda da indústria agrícola israelense há décadas. Dentro desta perspectiva, a Bio-Bee atua no controle biológico de pragas através da criação de insetos, ácaros e zangões para polinização natural em estufas e campos abertos. Situada no Kibutz Sde Elyahu, possui uma subsidiária, a Bio-Fly, especializada na criação de moscas mediterrâneas das frutas para combater esta praga, considerada a maior a acometer as árvores frutíferas. Em Israel, os produtos com o selo Bio-Bee permitiram a redução em 75% dos pesticidas químicos na produção de pimenta doce, entre outras.

A empresa exporta oito diferentes espécies de agentes de controle biológico, além de zangões para polinização para mais de 30 países, do Japão ao Chile. A companhia mantém projetos de cooperação com os governos da Jordânia e com a Autoridade Palestina, na Cisjordânia.

Após 30 anos de pesquisa, o professor David Levy, da Universidade Hebraica de Jerusalém, conseguiu desenvolver um tipo de batata adaptada a climas quentes e secos e que pode, também, ser irrigada com água salgada. Considerada um dos principais alimentos do mundo, nunca se deu muito bem em climas muito quentes e regiões desérticas, como o Oriente Médio. Esta situação poderá mudar e ter impacto na produção mundial de alimentos.

Sementes mais resistentes produzem melhores grãos. Com base nesta premissa os professores da área de agricultura da Universidade Hebraica de Jerusalém, Ilan Sela e Haim D. Rabinowitch, desenvolveram a TraitUP, uma tecnologia que permite a introdução de materiais genéticos nas sementes sem modificar seu DNA. Esta inovação foi licenciada pela instituição para a Morflora Israel, para tratamento de moléstias nos pomares, campos e viveiros de frutas.

Segundo Dotan Peleg, CEO da Morfora, a capacidade de modificar traços das sementes em poucos dias ao invés de anos, e oferecer um tratamento com resultados similares a plantas híbridas de todas as espécies é muito importante, pois revolucionará a agricultura moderna com impactos significativos nos mercados de commodities de vegetais.

Meio ambiente e piscicultura

A empresa de energia limpa Seambiotics implantou recentemente na China um projeto para criação comercial de algas tanto para produção de suplementos alimentares quanto para produção de biocombustíveis. A empresa israelense entrou nesta área em 2003, com uma parceria com a Electric Corporation Ltd. Começou como uma experiência para a utilização de resíduos de usinas de energia elétrica que usam como combustível a queima do carvão e gases associados, bem como turbinas resfriadas com água do mar, que por sua vez produz microalgas. Estas são fontes importantes de produtos e biocombustíveis e, simultaneamente, promovem a redução do volume do CO2 gerados nas usinas.para geração de energia limpa.

Há cerca de 50 anos, as carpas do Lago Vitória, na África, desempenhavam um importante papel na alimentação da população do povoado de Ugadan. Mas quando as percas do Nilo foram introduzidas no lago, dizimaram grande parte das espécies menores de peixes, incluindo as próprias carpas.  Os pescadores da região não tinham nem equipamentos nem o conhecimento para pescar a perca e, como consequência da ausência de peixes no cardápio, as crianças começaram a apresentar sinais de deficiência de proteínas decorrente da falta de consumo de peixes.

Para ajudar a reverter a situação, a Universidade Hebraica de Jerusalém implantou um projeto de recuperação dos peixes originais do Lago, encabeçado pela professora Berta Sivan. Juntamente com uma equipe de especialistas israelenses em piscicultura, a professora deu início a um programa de treinamento baseado na tecnologia desenvolvida há décadas em Israel. A iniciativa não apenas levou à produção de carpas em tanques de piscicultura, mas também à produção das espécies menores.

Produção de leite e derivados

A tecnologia israelense está beneficiando também as fazendas produtoras de leite e derivados. As companhias Hof Hasharon Dairy Farm, SAE Afikim e SCR Precise Dairy Farming são responsáveis pelo desenvolvimento de sistemas avançados de gerenciamento, monitoramento e nutrição usados em empreendimentos de todo o mundo. Os surpreendentes resultados da tecnologia israelense estão atraindo também grupos chineses que tèm enviado ao país equipes para aprender como aumentar a produção leiteira e seus derivados.

No que diz respeito à ordenha automatizada, Israel é considerado um líder mundial. Por décadas, os inovadores israelenses desenvolveram técnicas avançadas para manter a ordenha e as fazendas de laticínios de forma eficiente. Na área de gerenciamento de rebanho leiteiro, a AfiMilk, situada no Kibutz Afikim, surge como um dos grandes nomes da indústria israelense, transferindo sua tecnologia para países como o Canadá, onde seu know-how está sendo utilizado em fazendas de caprinos para aumento da produtividade do leite. Além do medidor de leite em cada animal, o sistema da AfiMilk inclui etiquetas individualizas nas patas de cada vaca ou cabra para coletar dados sobre os seus movimentos.

Em 2010, a empresa anunciou a parceria em um projeto de produção leiteira de US$ 500 milhões, no Vietnã, que incluiu a criação de fazenda leiteira com um rebanho de 30 mil vacas para fornecer 500 mil litros de leite por dia, aproximadamente 40% do consumo atual de leite do Vietnã. A AfiMilk foi responsável por todas as etapas do empreendimento, incluindo a criação dos animais e a preparação da terra para as culturas que serão utilizadas na alimentação animal.

Nos meios pecuários, a produtividade dos rebanhos leiteiros israelenses tem chamado atenção há várias décadas. Em média, a vaca de Israel produz 12 mil litros de leite por ano, enquanto que nos EUA este número diminuiu para 9 mil litros anualmente por animal. A tecnologia é a resposta para estes resultados diferentes. Segundo Ornit Sade-Benkin, gerente-geral de marketing da SCR Dairy, outra especialista israelense em gerenciamento de rebanhos, “Israel é um dos maiores centros de alta tecnologia no mundo. O ecossistema oferece um bom terreno para startups e empreendedorismo. Startups como a SCR Dairy são capazes de olhar para o que o fazendeiro precisa e oferecer uma solução adequada”.

A SCR Dairy deixou de ser um fabricante de equipamento original (OEM) para a indústria de laticínios para desenvolver uma tecnologia revolucionária, que chama de FreeFlow. O FreeFlow utiliza tecnologia de infravermelho para medir a qualidade e a quantidade do fluxo de leite.

Fonte: http://www.morasha.com.br/israel-hoje/de-israel-para-o-mundo.html – Edição 90 – Dezembro de 2015

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Maimônides: O Rambam

“De Moshê a Moshê, nunca houve alguém como Moshê.”
1135-1204 (4895-4965)

Vida
No decorrer da história, houve alguns pensadores cuja influência sobre as gerações que s sucederam continua evidente até os dias de hoje.

Rabi Moshê ben Maimon (Maimônides) ou simplesmente Rambam como é mais conhecido, foi uma destas figuras.

Maimônides nasceu em 1135, na cidade de Córdoba, na Espanha, então sob domínio muçulmano. A cidade era um grande centro cultural, onde muçulmanos, judeus e cristãos conviviam e participavam ativamente da vida pública.

Em 1148, no entanto, foi tomada pelos Almohads, que pregavam a restauração da fé pura Islâmica. Os judeus que não se converteram foram expulsos. Rabi Maimon, pai de Maimônides e líder da comunidade judaica de Córdova, levou sua família de cidade em cidade no sul da Espanha durante a próxima década, à medida que os Almorávidas gradualmente varriam o país. Os comentários de Maimônides sobre os dois Talmud, o de Jerusalém e o da Babilônia, bem como seus primeiros tratados, foram compostos durante aqueles anos de perseguição.

Em 1159 chegaram a Fez, Marrocos, onde permaneceram por cinco anos. Maimônides estudou medicina e Torá durante este período, onde também compilou a maior parte de seu trabalho para o comentário da Mishná. Trabalhando às vezes sob condições difíceis, ele era com freqüência forçado a trabalhar de memória, condensando e esclarecendo as longas explicações talmúdicas da Mishná, sem ter o texto à sua frente.

Em 1164, a perseguição religiosa forçou a família a sair também de Fez. Após passarem pela Terra Santa, Rabi Maimon e sua família chegaram a Fostad, no Egito (antigo Cairo) em 1166, o ano do falecimento de Rabi Maimon. Durante os cinco anos que se seguiram, a família foi sustentada pelo irmão de Maimônides, David, permitindo que Maimônides começasse a trabalhar em sua obra Mishnê Torá. Em 1171, no entanto, David morreu num naufrágio, e Maimônides passou a exercer a medicina como forma de sustentar a família. Foi nesta conjuntura que ele deu início àquilo que mais tarde se tornaria uma carreira de sucesso como médico, chegando a servir como médico pessoal do Grande Vizir Alfadhil e do Sultão Saladin.

Por volta de 1177, as obras eruditas de Maimônides tinham se tornado tão respeitadas que foi convidado a ser Rabino Chefe do Cairo, uma comunidade judaica grande e influente. Apesar dessas responsabilidades, ele completou a Mishnê Torá logo depois e, dez anos mais tarde, seu Guia para os Perplexos.

Maimônides faleceu em 1204, em Fostat, e foi enterrado em Tiberíades, Israel.

Datas e Eventos

  • 1135 (4895 após a criação do Mundo) – 14 de Nissan, nasce Moshê ben Maimon em Córdova, Espanha.
  • 1148- (4908) – Os almohávidas, seita muçulmana fanática da África do Norte, captura Córdova. A família Maimon foge e começa um período de onze anos de andanças pelo sul da Espanha e norte da África.
  • 1158/61 (4918-4921) – O Rambam começa a escrever o seu “Comentário Sobre a Mishná”.
  • 1159 (4919) – A família Maimon se estabelece em Fez, capital do Marrocos.
  • 1162/63 (4922-4923) – O Rambam compõe e propaga a “Igueret Hashmad” (Epístola sobre a Apostasia).
  • 1164-65 (4924/4925) – A família Maimon deixa Fez e percorre a Terra Santa.
  • 1165-68 (4925-4928) – O Rambam completa seu “Comentário sobre a Mishná”.
  • 1166 (4926) – A família Maimon deixa a Terra Santa e se estabelece em Alexandria, no Egito
  • 1166 (4926) – Falece Rabi Maimon, pai do Rambam.
  • 1167/70 (4927-4930) – O Rambam começa a escrever o “Sefer HaMitsvot” e o “Mishnê Torá”.
  • 1169 (4929) – O Rambam escreve e envia a “Igueret Teiman” aos judeus do Iêmen.
  • 1171 (4931) – Rabi David, irmão do Rambam, morre afogado num naufrágio.
  • 1171 (4931) – O Rambam se estabelece em Fostad, Egito, onde vive pelo resto da sua vida.
  • 1171/74 (4931-4934) – Fim do califado de Fatimide. Saladino torna-se Rei do Egito.
  • 1177 (4937) – O Rambam é nomeado Rabino-Mor pela comunidade judaica do Cairo.
  • 1177/80 (4037-4940) – O Rambam termina de escrever o Mishnê Torá.
  • 1186 (4946) – 28 de Sivan, nasce o filho do Rambam, Rabi Avraham.
  • 1186/90 (4946-4950) – O Rambam termina o “More Nevuchim” – o “Guia dos Perplexos”.
  • 13 de dezembro de 1204 – 20 de Tevêt de 4965 – O Rambam falece e é sepultado na Cidade Santa de Tiberíades, em Israel.

Mishnê Torá

Por volta do século XII da era comum, cerca de 700 anos depois que o Talmud da Babilônia tinha recebido seu formato final, havia se desenvolvido uma vasta população de judeus para quem seus argumentos, muitas vezes sutis, eram inacessíveis. Sem as explicações talmúdicas, era difícil entender corretamente a linguagem condensada da Mishná.

Rabi Yitschakl Alfasi (o Rif) deu o primeiro passo para tornar as explicações mais acessíveis, selecionando opiniões autorais e a passagem legal relevante do Talmud, dispensando as discussões mais elaboradas e as seções de casos. Em seu formato final, a compilação do Rif foi uma tremenda realização – poucos eruditos tinham o conhecimento e a percepção necessária para estudar todo o material talmúdico para chegar às leis definitivas. Seguindo a mesma organização do Talmud – com suas freqüentes, às vezes abruptas mudanças de assunto – no entanto, a obra do Rif não era de fácil consulta àqueles que não eram bem versados no Talmud.

Maimônides procurou remediar esta deficiência compondo um código organizado por tópicos.
Mishnê Torá, é composta de 14 livros que contêm 982 capítulos e milhares de leis. Dividiu sua obra em catorze livros, com cada livro dividido em capítulos e cada capítulo desmembrado em discussões de leis individuais.

Esforçou-se para criar um código no qual o regulamento sobre um assunto específico pudesse ser prontamente localizado. Colecionando todas as legislações bíblicas, talmúdicas e pós-talmúdicas, e destacando as opiniões mais abalizadas, ele incluiu toda a gama da Lei Judaica – mesmo aquelas leis que, segundo a tradição, não serão novamente praticadas até a Era de Mashiach (tais como as referentes aos sacrifícios no Templo). Para facilitar o acesso e a leitura, Maimônides escolheu apresentar as leis em seu código sem referência a suas fontes ou explicações de seu arrazoado (ambos foram subseqüentemente fornecidos por outros comentaristas).

Sua intenção, em resumo, foi fornecer um código de leis que, em suas palavras, permitiriam que “nenhum homem teria de recorrer a qualquer outro livro sobre qualquer assunto da Lei Judaica, mas que o compêndio conteria toda a Lei Oral”. Portanto, ele decidiu chamá-la Mishnê Torá (Segundo à Torá). E de fato, a partir de sua publicação, a reação à obra foi extraordinária.
Estudada e consultada por judeus de todas as partes, a Mishnê Torá logo foi aclamada como a obra mais notável da erudição judaica desde o Talmud.

Escrita em linguagem clara e cuidadosamente elaborada, tornou-se um modelo de composição sucinta e concentrada. (Comentaristas posteriores se referem à redação das obras de Maimônides como “linguagem de ouro”). Única em seu escopo, sem par em sua composição, a obra tem se mantido como o alicerce para todas as codificações da Lei Judaica desde então.

Guia para os Perplexos

No seu livro “Guia dos Perplexos”, o Rambam mostra o caminho certo para o indivíduo. Apesar de sempre preocupar-se com o bem-estar da comunidade e do povo em geral, ele sabia muito bem que às vezes o indivíduo não se adapta às regras gerais. Por isso escreveu o livro como uma orientação para a vida.

Durante a vida de Maimônides, muitos judeus observantes tinham sentido atração pelas obras dos antigos filósofos gregos, uma influência que era popular dentre os eruditos árabes da época.
Enfrentando conflitos entre as concepções aristotélica e judaica do mundo, estes judeus se tornaram perturbados e abalados em sua fé. Preocupado com essa confusão e temendo suas potenciais conseqüências, Maimônides compôs seu Guia para elucidar sistematicamente a filosofia básica e os dogmas religiosos do Judaísmo. O Guia não foi direcionado ao judeu descrente, mas explicitamente projetado para judeus eruditos e devotos. Como escreve Maimônides em sua introdução: “O objetivo desse tratado é esclarecer um homem religioso que foi treinado a acreditar na verdade de nossa sagrada Lei, que conscientemente cumpre seus deveres morais e religiosos, e ao mesmo tempo tem obtido sucesso em seus estudos filosóficos.”

O Guia é dividido em três partes. A primeira é dedicada a discussões dos equívocos que podem surgir diretamente do texto da Torá – aparentes contradições escriturais, antropomorfismos de D’us, e similares. O segundo ataca problemas que brotam das incompatibilidades entre as abordagens “científica” (Aristotélica) e bíblica a D’us e ao mundo, e analisa extensivamente a legitimidade de aplicar o raciocínio aristotélico a questões de religião e da Torá. A seção final do Guia está voltada a temas mais gerais, fundamentalmente religiosos: a natureza do bem e do mal, o propósito do mundo, o significado por trás dos Mandamentos, o caráter da pura devoção. Infelizmente, a linguagem filosófica na qual o Guia é composto tem levado a um mau entendimento das intenções de Maimônides. Perfeitamente cônscio dessas dificuldades em potencial, Maimônides deixa claro em sua introdução que o Guia deve ser lido com muito cuidado:

“Aquilo que escrevi nesta obra não foi a sugestão do momento; é o resultado de profundo estudo e grande aplicação… Não o leia superficialmente, para não me ofender, e não extraia benefício para si mesmo. Você deve estudar extensivamente e ler sempre.”

Alguns dos mais notáveis comentaristas rabínicos clássicos na verdade indicaram que muitos dos conceitos que Maimônides discute estão baseados em profundas opiniões do Zôhar, o texto básico do misticismo judaico. Deve-se enfatizar que embora muito filosófico e científico, o Guia permanece profundamente enraizado na Torá. Maimônides via a ciência e a filosofia como auxílios ao entendimento das Leis de D’us, em vez de um fim em si mesmas.

Apesar desses mal entendidos que se seguiram à publicação e ao fato de ter uma platéia específica, a influência do Guia foi profunda, tanto no círculo judaico quanto no não-judaico. Indiscutivelmente o mais comentado dos tratados filosóficos de todos os tempos, possui mais de trinta comentários em hebraico cujos autores são conhecidos e grande número de outros comentários escrito por autores cujos nomes se perdeu.

Traduzido em praticamente todos os idiomas europeus, é citado extensivamente nas obras de Aquino, Bacon e outros. O mais significativo, porém, é que o Guia foi responsável por abrir uma nova era de investigação judaica em questões de filosofia, servindo tanto como pedra fundamental quanto como um catalisador para obras subseqüentes em seu gênero.

Os Treze Princípios de Fé

O Rambam faz parte da vida dos sábios e dos eruditos, quando todos os dias se elevam ao mergulhar na profundidade de seus livros. Mesmo as pessoas menos instruídas são influenciadas pelo Rambam, através dos 13 Princípios da Fé, formulados por ele.

Esses princípios da fé judaica versam sobre as virtudes, a fidelidade e a fé na eternidade da Torá e na breve vinda de Mashiach – todos estes valores tiveram e têm um papel importante na complementação espiritual de nosso povo. Esta prece representa a grandeza da obra do Rambam, pois ele conseguiu penetrar no intelecto e no coração de todos os judeus; do mais erudito ao mais afastado dos conhecimentos da Torá.

Cada um dos 613 preceitos da Torá serve para:

  1. Transmitir atitudes apropriadas
  2. Remover concepções errôneas
  3. Estabelecer legislação
  4. Eliminar a perversidade e a injustiça
  5. Imbuir no indivíduo virtudes exemplares
  6. Deter a pessoa perante as más inclinações.

Os Treze Princípios da Fé – segundo Maimônides “Ani Maamin” – Creio plenamente:

  1. Creio plenamente que D’us é o Criador e guia de todos os seres, ou seja, que só Ele fez, faz e fará tudo.
  2. Creio plenamente que o Criador é um e único; que não existe unidade de qualquer forma igual à d’Ele; e que somente Ele é nosso D’us, foi e será.
  3. Creio plenamente que o Criador é incorpóreo e que está isento de qualquer propriedade antropomórfica.
  4. Creio plenamente que o Criador foi o primeiro (nada existiu antes d’Ele) e que será o último (nada existirá depois d’Ele).
  5. Creio plenamente que o Criador é o único a quem é apropriado rezar, e que é proibido dirigir preces a qualquer outra entidade.
  6. Creio plenamente que todas as palavras dos profetas são verdadeiras.
  7. Creio plenamente que a profecia de Moshê Rabeinu é verídica, e que ele foi o pai dos profetas, tanto dos que o precederam como dos que o sucederam.
  8. Creio plenamente que toda a Torá que agora possuímos foi dada pelo Criador a Moshê Rabênu.
  9. Creio plenamente que esta Torá não será modificada e nem haverá outra ortorgada pelo Criador.
  10. Creio plenamente que o Criador conhece todos os atos e pensamentos dos seres humanos, eis que está escrito: “Ele forma os corações de todos e percebe todas as suas ações” (Tehilim 33:15).
  11. Creio plenamente que o Criador recompensa aqueles que cumprem os Seus mandamentos, e pune os que transgridem Suas leis.
  12. Creio plenamente na vinda do Mashiach e, embora ele possa demorar, aguardo todos os dias a sua chegada.
  13. Creio plenamente que haverá a ressurreição dos mortos quando for a vontade do Criador.

Maimônides na Medicina


O túmulo de Rambam (Tiberíades)

O Rambam extraiu seu conhecimento medicinal do próprio Talmud. Os nossos sábios, há milhares de anos, já conheciam regras medicinais que ainda agora estão sendo descobertas. A própria Torá nos adverte para cuidarmos da saúde de nosso corpo. É proibido aceitar a falsa linha de que, como D’us deu a doença, somente por Ele deve ser curada. Ao contrário, no Judaísmo é uma mitsvá curar os doentes e vencer as moléstias; a salvação de uma vida é superior a tudo. Maimônides escreveu: “É proibido uma pessoa se expor ao perigo de modo proposital.”

A Halachá tem uma grande influência sobre os conceitos do Rambam na Medicina. Sua famosa oração do médico é plena de fé e convicção da influência Divina sobre a Medicina. Ele acreditava plenamente nesta influência sobre o corpo, onde alma e o corpo são indivisíveis.

Rambam sempre confiou muito no Médico Celestial, que acompanha o médico terrestre. O ponto principal de Rambam é que somente por meios físicos não se pode curar um doente. O corpo anda de mãos dadas com a alma e são necessárias forças espirituais para curar as doenças. As boas virtudes foram colocadas por Rambam no mesmo nível dos remédios, pois um completa o outro. Segundo a linha do Rambam, a pessoa que mortifica propositadamente seu corpo é um pecador, pois está fazendo a alma sofrer. Ele declarava que a força do corpo está ligada ao espírito e que todas as doenças se refletem no espírito da pessoa. Na sua linguagem: “Para os irados, sua vida não é vida.”

Suas opiniões são válidas ainda atualmente, apesar de terem já se passado centenas de anos.
Podemos conhecer um pouco de Rambam como médico através da leitura do texto conforme aparece em uma de suas cartas:

“Moro em Fostat e o Sultão reside no Cairo; estes dois locais estão a cerca de 2km de distância. Minhas obrigações para com o Sultão são muito pesadas. Tenho de visitá-lo todos os dias, de manhã cedo; e quando ele ou algum dos filhos, ou as pessoas do harém, estão indispostos, não ouso sair do Cairo, porque devo permanecer a maior parte do dia no palácio. Também acontece freqüentemente que um ou dois dos oficiais da corte adoecem, e devo cuidar de sua cura.
Portanto, em geral, vou ao Cairo bem cedo pela manhã e se nada de extraordinário acontece, só volto a Fostat no fim da tarde.

“A esta altura, estou quase morrendo de fome. Encontro as antecâmaras repletas de gente, judeus e gentios, nobres e pessoas comuns, juizes e meirinhos, amigos e inimigos – uma multidão variada, que espera pela minha volta. Desmonto de meu animal, lavo as mãos, vou até meus pacientes, peço a eles que esperem enquanto como alguma coisa, a única refeição que faço em vinte e quatro horas. Então atendo meus pacientes, prescrevo receitas e orientações para suas diversas doenças. Os pacientes entram e saem até o anoitecer, e às vezes até, eu lhe asseguro solenemente, oito horas da noite. Converso e receito deitado, de pura fadiga, e quando a noite chega estou tão exausto que mal posso falar.

“Em conseqüência disso, nenhum israelita pode ter qualquer entrevista privada comigo, exceto no Shabat. Naquele dia toda a congregação, ou pelo menos a maior parte, procura-me depois do serviço matinal, quando então os instruo sobre seus procedimentos durante a semana inteira; estudamos juntos um pouco até meio-dia, quando vão embora. Alguns deles voltam, e lêem comigo depois do serviço vespertino até as Preces Noturnas. Assim passo o dia. Aqui relatei a você apenas uma parte daquilo que verá quando me visitar.”

Oração do médico

Autoria atribuída a Maimônides:

“Ó D’us, Tu formaste o corpo do homem com infinita bondade; Tu reuniste nele inumeráveis forças que trabalham incessantemente como tantos instrumentos, de modo a preservar em sua integridade esta linda casa que contém sua alma imortal, e estas forças agem com toda a ordem, concordância e harmonia imagináveis. Porém se a fraqueza ou paixão violenta perturba esta harmonia, estas forças agem umas contra as outras e o corpo retorna ao pó de onde veio. Tu enviaste ao homem Teus mensageiros, as doenças que anunciam a aproximação do perigo, e ordenas que ele se prepare para superá-las.

“A Eterna Providência designou-me para cuidar da vida e da saúde de Tuas criaturas. Que o amor à minha arte aja em mim o tempo todo, que nunca a avareza, a mesquinhez, nem a sede pela glória ou por uma grande reputação estejam em minha mente; pois, inimigos da verdade e da filantropia, ele poderiam facilmente enganar-me e fazer-me esquecer meu elevado objetivo de fazer o bem a teus filhos.

“Concede-me força de coração e de mente, para que ambos possam estar prontos a servir os ricos e os pobres, os bons e os perversos, amigos e inimigos, e que eu jamais enxergue num paciente algo além de um irmão que sofre. Se médicos mais instruídos que eu desejarem me aconselhar, inspira-me com confiança e obediência para reconhecê-los, pois notável é o estudo da ciência. A ninguém é dado ver por si mesmo tudo aquilo que os outros vêem.

“Que eu seja moderado em tudo, exceto no conhecimento desta ciência; quanto a isso, que eu seja insaciável; concede-me a força e a oportunidade de sempre corrigir o que já adquiri, sempre para ampliar seu domínio; pois o conhecimento é ilimitado e o espírito do homem também pode se ampliar infinitamente, todos os dias, para enriquecer-se com novas aquisições. Hoje ele pode descobrir seus erros de ontem, e amanhã pode obter nova luz sobre aquilo que pensa hoje sobre si mesmo.

“D’us, Tu me designaste para cuidar da vida e da morte de Tua criatura: aqui estou, pronto para minha vocação.”

Ensinamentos

Filosofia

Os filósofos opinam que Maimônides influenciou muito o pensamento da Filosofia e da Medicina. Graças a ele, a teoria de Aristóteles foi aceita na Filosofia em geral na Idade Média. O Rambam criou uma síntese entre a Filosofia e a Medicina, aprofundando-se em ambas, analisando-as de maneira aguda e crítica. Os seus ensinamentos sobre estas matérias vieram a ser conhecidos mesmo nos ambientes não judaicos. Suas obras foram traduzidas do original árabe para o ladino e outros idiomas daquela época. Em muitas universidades estas obras ainda são estudadas.

Ciência

No mundo científico, o Rambam foi intitulado de “O Aristocrata Espiritual”, mas para nós, ele tem um título maior e mais elevado, “O Mestre de Nosso Povo”. Seus ensinamentos destinam-se não somente aos gigantes em erudição, mas também às pessoas simples, pois a estas ele doou inteiramente sua alma. Estava sempre atento aos interesses das mesmas, em todos os países onde viveu.

O Talmud

Em seu outro trabalho monumental, o Rambam declara que para entender as leis do Talmud são necessárias três coisas: um intelecto amplo, paz de espírito e muito tempo. Ele viu que o Talmud, a principal obra orientadora do povo judeu, tinha ficado além do alcance da maioria do povo. Isto se deveu a abordagem de temas complexos ali expostos, aliado às dificuldades e sofrimentos dos judeus que não possuiam o tempo e a calma para absorver seu vasto e profundo conteúdo. O Rambam sentiu também que os talmudistas estavam diminuindo em número e assim, havia o grave perigo de o povo esquecer a Torá, sem a qual a vida de um judeu não tem sentido.

Dedicou então todos seu profundo conhecimento para desvendar os segredos da Torá tornando-os acessíveis e de fácil compreensão a todos, escrevendo grande parte de suas obras em outros idiomas, especialmente o árabe, que na época era a língua corrente no sul da Europa, norte da África e em todo o Oriente. Sua primeira obra, a Explicação da Mishná, também é chamada de “Livro da Iluminação”, pois ilumina os olhos dos leigos.

Antes de chegar aos vinte e três anos, Maimônides tinha completado um tratado sobre o Calendário Judaico, uma dissertação sobre lógica, e um compêndio legal do Talmud de Jerusalém.

As mitsvot

Maimônides não exige que o indivíduo se eleve acima da capacidade do seu intelecto, mas quer que desenvolva os dons naturais para usá-los da melhor maneira possível. Nos orienta a usar “um caminho de ouro”, as mitsvot, boas ações, que nos abre os olhos para encontrar o verdadeiro caminho até D’us e Sua Torá.

A finalidade do Rambam era elevar o povo mesmo nos momentos mais difíceis, abrir amplamente as portas a todos os judeus para que pudessem estudar e compreender o Talmud, tanto os adultos como as crianças. É interessante notar como ele se expressa ao falar das leis do shofar: “Por causa da elasticidade do exílio e dos fortes sofrimentos, caiu a lei de como deve ser o toque do shofar, Deve ele representar um gemido profundo ou um suspiro normal?”

Nessa observação o Rambam demonstra sua atitude para com a Halachá, e descreve aqui algo muito profundo. O exílio está repleto dos gemidos judaicos; nós passamos por dois tipos de exílio: o espiritual e o físico. No espiritual, sofre a alma judaica, e no exílio físico é o corpo judaico que sofre. O sofrimento espiritual vem pela profanação do Shabat, pela falta de Cashrut e pelos decretos contra a nossa religião que os nosso inimigos impõem. O sofrimento físico são as torturas e perseguições. O shofar deve transmitir para D’us os dois tipos de gemidos, o físico e o espiritual.

Astrologia

Maimônides estudou profundamente o assunto antes de emitir sua opinião onde foi um dos poucos que ousaram levantar sua voz contra a crença quase universalmente aceita do poder dos corpos celestes de influenciar o destino humano. Ele denunciava a astrologia como uma superstição próxima à idolatria, rejeitando-a categoricamente e a outras práticas supersticiosas.

Na sua famosa carta à comunidade do Iêmen, Maimônides declara: “Eu noto que vocês estão inclinados a acreditarem na astrologia e na influência das conjunções passadas e futuras dos planetas sobre os assuntos humanos. Deveriam tirar tais noções de seu pensamento…”
Maimônides investiu fortemente contra a astrologia, denunciando-a como um engodo que é subversivo contra a fé e os ensinamentos do Judaísmo. Ele escreve na Ética dos Pais: “Aprofundei-me neste assunto para que você não acredite nas idéias absurdas dos astrólogos, que asseguram falsamente que a posição dos astros no momento do nascimento da pessoa determina se ela será virtuosa ou perversa.”

Amuletos

Desde os tempos mais antigos, as pessoas têm tentado afastar desgraças, doenças ou “maus espíritos” usando sobre o próprio corpo pedaços de papel, pergaminhos ou discos de metal, gravados com várias fórmulas que deveriam proteger ou curar o usuário. Tais artefatos são conhecidos como amuletos. Maimônides, contrário à considerável parte da opinião rabínica na Idade Média, opõe-se rigorosamente a tais práticas. Ele argumenta contra a tolice dos escribas dos amuletos e contra o uso de objetos religiosos (tais como o Rolo da Torá) para a cura de doenças.

Humanismo:

Em seus ensinamentos, o Rambam não deixa de lado nenhum detalhe da vida humana. Fala da vida particular, da vida familiar, do relacionamento entre as pessoas e destas com a coletividade. Comenta os deveres que nós, judeus, temos para com os países onde vivemos e as responsabilidades do governo com os cidadãos.

Mashiach:

Ele também escreveu um código especial para o reino de Israel, para ser usado quando chegasse a época da Redenção. Este código regula toda a vida do país ligando o reino inferior ao Reino Celestial (superior) – uma visão da Era Messiânica, quando todos se comportarão com uma ética mais elevada aplicada a vida diária.

Capítulo 11

… e todo aquele que não acredita no Mashiach, ou que não aguarda sua vinda – está não apenas contestando os outros profetas, mas a própria Torá e Moshê Rabênu. (Lei 1)

Maimônides via a ciência e a filosofia como auxílios ao entendimento das Leis de D’us, e não um fim em si mesmas.

… ao levantar-se um rei da Casa de David estudioso da Torá e dedicado às mitsvot (preceitos) de acordo com a Torá Escrita e Oral, como seu pai David – e ele levará todo o povo de Israel a seguir a Torá; ele a fortalecerá e lutará pelas causas de D’us – certamente deve tratar-se de Mashiach. Se for bem-sucedido, reconstruirá o Santuário em seu lugar e reagrupará os dispersos de Israel (na terra de Israel) – com toda a certeza será o Mashiach. Ele retificará o mundo no sentido de todos servirem juntos a D’us. (Lei 4)

Capítulo 12

Não pense que na Era Messiânica se anulará algo dos costumes e da natureza do mundo, ou que haverá qualquer novidade na obra da Criação. Na realidade, o mundo seguirá o seu caminho… o que ocorrerá é que Israel será estabelecido para sempre… todos os povos retornarão à verdadeira fé; não furtarão, nem prejudicarão… (Lei 1)

Disseram nossos Sábios: “Não há diferença entre este mundo (esta época) e a Era Messiânica, exceto que não seremos mais subjugados por outros povos”. O que transparece literalmente das palavras dos Profetas é que no início da Era messiânica haverá a guerra de “Gog e Magog”; e antes dela se levantará um profeta que encaminhará Israel e preparará o seu coração…

A pessoa só saberá como serão todos estes acontecimentos quando ocorrerem, pois são fatos ocultos nos livros dos profetas… (Lei 2)

Os sábios e os profetas não ansiavam pela Era Messiânica para dominar o mundo, dominar as nações ou para que fossem honrados pelos povos, tampouco para ter em abundância alimento, bebida e festividades. Desejavam, sim, a Era Messiânica a fim de ficarem livres para se dedicar à Torá e à sua sabedoria, sem que houvesse qualquer domínio ou obstáculo, pois seria esse estudo que os levaria a merecer a vida no Mundo Vindouro… (Lei 4)

Na Era Messiânica não haverá fome, guerra, inveja ou concorrência – pois o bem existirá em profusão e todas as delícias serão abundantes como o pó da terra. O mundo se dedicará, apenas e tão somente, ao conhecimento de D’us. Portanto os integrantes de Israel serão grandes sábios e conhecedores dos fatos ocultos, e captarão o conhecimento do Criador, de acordo com a capacidade humana, como foi dito: “Pois a terra estará repleta do conhecimento de D’us, como as águas cobrem o leito dos mares” (Yeshayáhu 11:9). (Lei 5)

Em um Siyum (Encerramento do Estudo) da obra “Yad Hachazacá” ou Mishnê Torá de Rambam, o Lubavitcher Rebe, Rabi Menachem Mendel Schneerson, forneceu a seguinte explicação por que Maimônides, ao definir esta época, cita o versículo completo: “… como as águas cobrem os mares”:

Da mesma forma que nos mares existem peixes e outros seres aquáticos que são distintos da composição do mar (apesar de sua existência estar completamente condicionada e dependente do mar), assim também existe a possibilidade de o ser humano conhecer D’us, apesar de ele e D’us serem duas entidades distintas.

Porém, as águas que cobrem a superfície do mar na realidade representam sua própria essência, sendo que elas são a única coisa visível, completamente integradas ao mar. De maneira similar, disse o Rebe, Maimônides descreve a Era Messiânica como sendo repleta do conhecimento Divino “como as águas que cobrem os mares” ou seja, a única coisa visível no mundo seá o conhecimento Divino. As criaturas estarão integradas ao Criador, sendo que a única existência no mundo será o conhecimento Divino.

Conselhos práticos de Rambam

Disposições Morais

Todo ser humano possui diversos temperamentos, cada um distinto do outro. Há um tipo irascível e que está sempre zangado; outro é tranqüilo e quando chega a irritar-se, o faz brandamente, uma vez em muitos anos. Há indivíduos que são exageradamente arrogantes, e outros extremamente humildes. Existem ainda os sensuais, cujos desejos nunca podem ser satisfeitos, e os de coração puro, que não anseiam pelas poucas coisas que o corpo necessita. Há também os gananciosos, cuja alma não se satisfaz nem com todo o dinheiro do mundo; os frugais, que ficam contentes mesmo com uma pequena quantia. Embora não suficiente para suas necessidades. Há aqueles que se torturam pela fome – são avaros, e não consomem um centavo do que é seu, sem grande angústia. E há os que desperdiçam intencionalmente todo seu dinheiro.

Os outros temperamentos, tais como o frívolo e o melancólico, o cruel e o compassivo, o brando e o duro de coração e assim por diante, podem ser vistos de maneira similar.

Seguir qualquer um dos extremos de cada temperamento não é o caminho certo. O correto é a tendência intermediária de cada um deles, dos quais o homem é dotado. Não se deve ser uma pessoa irada, facilmente irritável, tampouco apática, que nada sente: o melhor é ficar no meio. O indivíduo deve ficar irado somente por alguma coisa grave, pela qual seja apropriado zangar-se, a fim de que tal fato não se repita. Igualmente, não se deve cobiçar algo além daquilo que o corpo necessita, e sem o qual é impossível sobreviver. Não se deve ser miserável demais e nem esbanjar o dinheiro. A pessoa deve fazer caridade de acordo com seus recursos e emprestar àquele que necessita. Não se deve ser frívolo demais, nem demasiado triste e lamentoso; deve-se porém ser agradável, contente e cordial todos os dias da vida. O mesmo se aplica aos outros temperamentos.

A pessoa cujos temperamentos são intermediários e segue o caminho do meio é chamada de sábia.

Bom caráter e conduta ética são fatores essencias num ser humano, em seu comprimento dos preceitos Divinos. Uma pessoa deve ser escrupulosa em sua conduta, delicada ao conversar, agradável aos seus semelhantes, recebê-los de maneira afável e cortês, conduzir seus assuntos comerciais com integridade e honestidade, e dedicar-se ao estudo da Torá.

Valor da Vida Humana

Para salvar uma vida humana, todos os 613 preceitos da Torá, com exceção de três (ver abaixo) podem ser postos de lado, se necessário. Assim, se alguém está perigosamente enfermo, e os médicos asseguram que o paciente pode ser curado pelo uso de um remédio que implica a transgressão de um mandamento bíblico, este deve ser aplicado.

Onde a vida está em perigo, qualquer coisa proibida pela Torá pode ser usada para curar o paciente, exceto a prática de idolatria, incesto e assassinato. Entretanto, não se pode sacrificar uma vida humana para salvar outra, mas o Shabat pode ser profanado; comida não-casher pode ser consumida e pode-se ingerir alimentos mesmo em Yom Kipur. A base para esse princípio é a declaração escritural de que “Ele viverá por eles” (Vayicrá 18:5), que nos ensina que devemos viver pela Torá e não morrer por ela. Este princípio é aplicável não somente nos casos de perigo de vida, mas também nos de perigo em potencial.

Seguem alguns exemplos: uma mulher em trabalho de parto, e pouco depois o parto é considerado como fazendo parte da categoria dos perigosamente doentes. Todos os preceitos são suspensos, se necessário, em seu benefício. Se uma mulher morre de parto, é permitido, e até obrigatório, fazer uma cesariana no Shabat, na tentativa de salvar a criança. Mesmo que o perigo de vida não seja uma doença física, mas uma ameaça externa, como no caso de uma vítima de afogamento, ou alguém preso numa casa incendiada, deve-se fazer todo o possível para salvá-la.
A doença mental e emocional, perigosa ou potencialmente perigosa, é vista do mesmo modo que a doença física, como no caso de uma criança trancada num quarto e que pode morrer de medo se não for salva. Para resgatar alguém de um prédio que desmorona, mesmo que esteja quase morto, mas com chances de sobreviver, é permitido profanar o Shabat. Estes regulamentos indicam claramente que o valor da vida humana é ilimitado e que cada um dos seus momentos é valioso.

Regras Básicas de Saúde

Banho

A pessoa não deve tomar banho imediatamente após uma refeição ou quando estiver com muita fome, mas sim quando o alimento começar a ser digerido.

Deve-se lavar a cabeça somente com água bem quente. Com relação ao corpo, inicia-se sua lavagem com água quente, diminuindo a temperatura aos poucos até terminar com água fria.

Sono

É suficiente para um indivíduo dormir oito horas diárias. Este sono deve terminar no final da noite, de modo que desde o começo do sono até o nascer do sol passem-se oito horas. Assim, ele se levantará da cama antes de o sol nascer.

A pessoa não deve dormir de bruços ou de costas, mas sobre o seu lado esquerdo, no começo da noite, e no fim dela, do lado direito. Não se deve deitar para dormir logo depois de comer, esperando algumas horas depois de uma refeição.

Prisão de ventre

Uma pessoa não deve adiar suas necessidades fisiológicas nem por um momento; estas devem ser cumpridas imediatamente. Aquele que as contêm pode acarretar sobre si doenças graves, pondo sua vida em risco. O homem deve, ao contrário, habituar seus movimentos intestinais a horários regulares para não constranger-se na presença de outros.

Quando alguém tem prisão de ventre, se for jovem: pela manhã deve comer alimentos salgados cozidos e temperados com azeite de oliva, ou salmoura, sem pão; ou tomar água do espinafre ou repolho cozidos, misturada com azeite de oliva e salmoura. Se for idoso, deve tomar mel misturado à agua morna pela manhã, e esperar umas quatro horas para fazer a primeira refeição. Isso deve ser repetido por três a quatro dias, se necessário, até regularizar o intestino.

Nutrição e Dieta

Um corpo frágil não digere bem os alimentos, mesmo os mais saudáveis, portanto devemos sempre dosar a quantidade do alimento (segundo a nossa força ou fraqueza), escolhendo a qualidade dos mesmos conforme a constituição do corpo.

Uma pessoa não deve comer a não ser quando estiver com fome, nem beber a não ser quando tiver sede; também não deve comer até o estômago ficar repleto, mas sim consumir aproximadamente uma quarta parte de sua capacidade.

Uma pessoa deve se alimentar somente após ter caminhado antes da refeição, para o corpo ficar aquecido, executar algum trabalho físico ou se cansar por algum tipo de esforço. Se depois do exercício ela se lavar com água morna, tanto melhor. Deve-se esperar um pouco e só então comer. Não se deve comer antes de verificar se precisa executar as necessidades fisiológicas.
Ao comer, a pessoa deve sempre estar sentada ou reclinada sobre o lado esquerdo. Não deve andar, montar a cavalo, exercitar-se ou agitar o corpo, nem passear até que o alimento seja digerido.

A pessoa, ao se alimentar, deve sempre começar com algo leve e depois continuar com os alimentos mais pesados. Nos meses quentes deve-se comer alimentos refrescantes e não usar temperos excessivos, exceto vinagre. Nos meses chuvosos ou frios, deve consumir alimentos quentes, temperar abundantemente a comida e comer um pouco de mostarda e assafétida. É desta forma que os alimentos devem ser preparados nos climas quentes e frios.

Não é adequado empanturrar-se como um cão esfomeado, nem engolir uma bebida fria quando se tem sede como alguém que está subitamente ardendo em febre, bebendo o conteúdo do copo de uma só vez. Ainda mais importante é que não se estende a mão em vão ao alimento, especialmente doces e similares, que são chamados de “comidas de glutão”.

Tomar água fria antes de começar as refeições é danoso à digestão e ao fígado. Não se deve beber água durante as refeições, a não ser um pouco e misturada ao vinho. Quando o alimento começa a ser digerido pode-se tomar água na medida da necessidade, mas não em excesso.

A mais saudável das águas potáveis é aquela que não tem sabor nem odor. Estas águas são as que mais saciam e as mais agradáveis. Todas aquelas que fluem numa direção oriental sobre areia limpa e ficam rapidamente aquecidas são as mais adequadas para beber.

Perigos Ambientais

As carcaças de animais, túmulos e curtumes devem ser instalados à distância de uma cidade. Um curtume deve ser construído do lado leste da cidade, porque o vento oriental é suave e diminui os odores desagradáveis produzidos pela curtição dos couros.

Os malefícios provocados pela fumaça, o odor dos aparelhos sanitários, poeira em excesso, máquinas que causam trepidação do solo, são motivos para que a parte prejudicada processe o seu vizinho a fim de obrigá-lo a remover os causadores dos danos até uma distância adequada.
Qualquer pessoa que deseje preservar sua saúde deve levar em consideração, em primeiro lugar, a água limpa e uma dieta saudável. O ar urbano é poluído, turvo e denso, resultado natural dos prédios altos, ruas estreitas e do lixo dos seus moradores.

A pessoa deveria, se possível, escolher como residência um local amplo e arejado. As melhores moradias estão localizadas num andar mais alto, onde entra bastante sol. Os sanitários devem ficar o mais longe possível das salas de estar. O ar deve ser conservado seco e agradável, usando-se perfumes suaves através de desodorantes especiais. A preocupação com o ar puro é a regra primordial na preservação do corpo e da alma.

Alcoolismo

Não se deve exagerar no vinho e na folia, pois a embriaguez excessiva e a leviandade não levam ao júbilo, mas sim à loucura. Para algumas pessoas, vinho de safra nova faz mal, ao passo que vinho velho faz bem.

(Escritores de muitos países, nos últimos séculos, têm comentado a relativa sobriedade dos judeus. Estatísticas relativas a prisões por embriaguez, psicoses relativas ao álcool têm se mostrado menos representativas entre os judeus. Um dado repetido em muitos estudos é que mais judeus do que outros grupos étnicos ou religiosos consomem bebidas alcoólicas, mas proporcionalmente menos judeus são alcoólatras. Uma das explicações para esta baixa incidência de alcoolismo entre os judeus se refere à precoce iniciação das crianças no uso ritual do vinho, que acrescenta uma nota cerimoniosa à refeição, elevando-o, deste modo, de uma necessidade biológica a um ato singularmente humano, pelo qual o judeu reconhece a presença de D’us à mesa. Tais atitudes precoces podem prevenir excessos subseqüentes na ingestão de bebidas alcoólicas.)

Matrimônio

O matrimônio no Judaísmo é um mandamento Divino (Devarim 12:13). Suas finalidades incluem a procriação, o companheirismo, a auto-realização e também a aquisição de um estado de santidade que surge ao se evitar o pecado i.e., o sexo ilícito fora do matrimônio.

Para cumprir o mandamento bíblico: “Frutificai e multiplicai-vos” (Bereshit 1:28; 9:1-7; 35:11), um homem deve ter pelo menos um filho e uma filha. Entretanto, os sábios aconselharam ter mais filhos.

O homem não pode se casar com uma mulher incapaz de ter filhos, a menos que ele já tenha cumprido o mandamento da procriação. Ele nunca deve casar-se com a intenção de divorciar-se depois.

Um homem é obrigado a prover sua esposa de alimento (i.e., manutenção), vestuário (incluindo jóias e perfumes) e direitos conjugais. Num matrimônio judaico, acima da questão da procriação, existem os direitos conjugais da esposa, tecnicamente designados “ona”. Assim, a relação não procriativa, como ocorre quando a mulher é jovem demais para ter filhos, estéril, está grávida, pós-menopausa, ou após uma histerectomia, não só é permitida como é requerida.

Os sábios ordenaram que o homem deve honrar sua esposa mais que a si mesmo, e amá-la como a si mesmo. Se tiver posses, deve aumentar sua generosidade de acordo com sua riqueza; não deverá causar-lhe medo indevido; ao falar com ela deve ser gentil e não deve ser propendo à ira ou à melancolia.

Também ordenaram que, por sua vez, a esposa deve honrar o marido e reverenciá-lo; deve-se organizar seus afazeres de acordo com as suas instruções. Ele deverá parecer a seus olhos tal como um príncipe ou rei, enquanto ela se conduzirá de acordo com os desejos de seu coração e se manterá afastada de tudo que a ele for odioso.

Este é o caminho das filhas e dos filhos de Israel, que são santos e puros em seu relacionamento, e sua vida conjugal é louvável.

As Relações

O homem para ser perfeito deve ter controle completo sobre seu desejo sexual, alimentar ou de bebida, para não impedir o desenvolvimento de sua perfeição. A moderação no sexo, como em todas as esferas das atividades biológicas humanas, é recomendada. No Judaísmo, a aversão pela libidinagem e prostituição é bem enfatizada.

Sempre que o sêmen é emitido em excesso, o corpo fica esgotado e sua força diminui. Aquele que se excede estará sujeito ao envelhecimento precoce, esgotamento físico e enfraquecimento da visão.

O sexo pré-marital é proibido. O homem deverá primeiro levar sua futura esposa para dentro do seu próprio lar e designá-la como exclusivamente sua, através da cerimônia nupcial. Se ela for virgem, ele se alegrará com ela, participando de refeições festivas durante a primeira semana, sem trabalhar. (Esta é chamada a semana de “sheva berachot”.) Se for viúva ou divorciada, deverão ter as “sheva berachot” durante três dias.

No casamento, a relação não somente é permitida, como faz parte das obrigações do marido para com a mulher, e deve ocorrer com o consentimento de ambos.

Quando um homem procura sua esposa, não deve fazê-lo no começo da noite, quando está saciado; nem no fim da noite, quando está faminto. Ele deve coabitar no meio da noite, quando o alimento já tiver sido digerido. Primeiramente deve conversar com sua esposa e diverti-la um pouco, a fim de deixá-la descontraída; depois ter a relação, com modéstia, carinho e atenção, sem imprudência.

O Ritual da Circuncisão

Esse mandamento não foi prescrito com vistas a reparar o que pode ser congenitamente imperfeito, mas para aperfeiçoar moralmente o ser humano.

A circuncisão tem outro significado, muito importante: todos aqueles que acreditam na unicidade de D’us possuem um sinal corporal que os une. O homem executa esse ato no seu filho somente em conseqüência de uma crença genuína.

É também conhecido o quanto amor e ajuda mútua existem entre as pessoas que ostentam o mesmo sinal, formando para elas uma espécie de aliança. A circuncisão é uma aliança feita por Avraham, nosso pai, com vistas à crença na unicidade de D’us, como está escrito: “Para ser um D’us para ti e para tua semente depois de ti” (Bereshit 17:7). Esta é uma forte razão para a causa da circuncisão – talvez seja ainda mais forte do que a primeira.

A circuncisão é realizada no oitavo dia, porque os seres vivos são muito frágeis e excessivamente tenros ao nascer, como se ainda estivesse no útero. (Maimônides parecia estar aludindo ao que hoje é reconhecido como icterícia, que pode se manifestar nos primeiros dias de vida).

A circuncisão no oitavo dia evita o sangramento que pode ocorrer na primeira semana de vida, devido a deficiências no fator de coagulação, permitindo a maturação do sistema de conjugação dos pigmentos da bílis.

Crueldade contra animais

A crueldade gratuita contra animais é proibida pela Lei Judaica, uma proibição que os Sábios deduziram da Torá. Quem impedir um animal de se alimentar enquanto estiver trabalhando estará sujeito a punição. Ademais, se o animal estiver sedento, a obrigação é dar-lhe de beber.
Entretanto, se aquilo que o animal estiver ingerindo for danoso ao seu organismo e lhe fizer mal, será permitido impedi-lo de comer. De fato, o animal deverá ser alimentado antes mesmo do ser humano, no entanto quando se refere à sede, o ser humano tem prioridade.

Shechita (abate ritual)

O mandamento referente ao abate de animais é necessário, pois o alimento natural do homem consiste de plantas derivadas de sementes que crescem na terra e da carne dos animais. Os melhores tipos de carne são aqueles que nos são permitidos (i.e., casher). Nenhum médico ignora este fato.

Como a necessidade de obter bons alimentos requer que os animais sejam mortos, a meta é matá-los da maneira mais branda possível. É proibido torturá-los de modo a perfurar a parte abaixo de sua garganta ou decepar um de seus membros. É igualmente proibido abater o “animal e o seu filhote no mesmo dia” (Vayicrá 22:28), sendo esta uma medida de precaução para não matar a cria diante da mãe, pois nestes casos os animais sentem uma dor intensa, idêntica à do ser humano.

Citações de Rambam

“A verdade não se torna mais verdadeira porque o mundo inteiro concorda com ela, nem menos verdadeira, mesmo que o mundo inteiro discorde dela”.

More Nevuchim II:15

“O alicerce de todos os fundamentos e princípios básicos da Torá, e o pilar de todas as sabedorias é: compreender que há um Ser Supremo que traz todo ser criado para a existência. Todas as coisas existentes – no céu, na terra, e o que há entre eles – resultaram somente a partir da verdadeira existência de D’us. Se imaginássemos que Ele não existe, nada mais poderia ter existência.”

Parágrafo inicial do Mishnê Torá

“Há coisas que estão dentro do âmbito e da capacidade de apreensão da mente humana; há outras que o intelecto não pode, de maneira alguma, captar – as portas da percepção estão fechadas.”

More Nevuchim I:31

“Compete-nos amar e temer a D’us, pois está escrito: ‘Amarás o Senhor teu D’us’ (Devarim 6:5) e ‘Temerás o Senhor, teu D’us’ (Devarim 6:13).

Como se chega a amar e temer a D’us?

Quando alguém reflete sobre as grandes e maravilhosas obras de D’us e Suas criaturas, percebendo nelas a infinita e ilimitada sabedoria Divina, ele será levado a amar, exaltar e glorificá-Lo, ansiará por conhecer o Onipotente… Ao meditar mais sobre estes assuntos, ele recuará atemorizado, compreendendo que é uma criatura ínfima, dotada de inteligência limitada, e que está na presença d’Aquele que é perfeito no saber…”

Mishnê Torá, Yessodei Hatorá, II:1-2

Comentário final

Nas áreas da lei e da filosofia, as contribuições de Maimônides ao pensamento judaico são ímpares. Seu Comentário à Mishná, Mishnê Torá e Guia Para os Perplexos são cada qual um marco na história do pensamento judaico. De fato, a extensão da influência de Maimônides sobre eruditos de épocas posteriores talvez seja melhor expressa pelo dito que está gravado sobre sua tumba em Tiberíades em Israel: “De Moshê (Moisés) a Moshê (Maimônides), nunca houve ninguém como Moshê.”

Fonte: http://www.chabad.org.br/biblioteca/artigos/rambam/home.html

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Impactos da Ética Judaica no século XXI

IMPACTOS DA ÉTICA JUDAICA NO SÉCULO XXI

Vivemos em um mundo extraordinário. Os acelerados avanços tecnológicos têm multiplicado a capacidade da humanidade de produzir bens e serviços.

As revoluções na informática, robótica, micro-eletrônica, biotecnologia, genética, comunicações e outros campos têm criado possibilidades econômicas inéditas.

Ao mesmo tempo, 30 mil crianças morrem diariamente devido à miséria, 800 milhões de pessoas estão desnutridas, 3 bilhões são pobres.

A polarização social tem alcançado índices absurdos. As três pessoas mais ricas do mundo têm um patrimônio maior que o produto bruto dos 49 países mais pobres. A América Latina, região de excepcional potencial econômico, rica em matérias-primas estratégicas, fontes de energia baratas e terras muito férteis, é vista hoje como a terra da pobreza e desigualdade. Sessenta por cento das crianças são pobres, 36% dos menores de 2 anos estão desnutridos, 1/3 da população não tem água potável.

Junto a estes paradoxos extremamente impactantes, a sensação que o grande filósofo canadense Charles Taylor denomina de “o desencanto do mundo” se espalha entre as novas gerações. A atual sociedade consumista, voltada aos bens materiais, à concorrência feroz para alcançar melhores posições, à luta pelo dinheiro e poder, gera uma sensação de solidão, que Victor Frankl chamou de um dramático “vácuo dos sentidos”.

As respostas a estes graves problemas não parecem claras. Cresce o ceticismo sobre até onde pode chegar uma globalização repleta de oportunidades tecnológicas, mas totalmente carente de um código ético que a oriente.

Neste contexto, as propostas da ética judaica estão tendo valor crescente como referência e orientação. Muitas delas estão sendo retomadas com vigor por organismos internacionais, ONGs e movimentos que visam um mundo melhor. Vejamos resumidamente o atual impacto de algumas destas propostas:

• Um princípio básico da mensagem moral transmitido por D’us ao povo judeu é o de que somos responsáveis uns pelos outros. Para a ética judaica é proibida a indiferença ao sofrimento de outros. Diz-se no Levítico: “Não desconsideres o sangue de teu próximo” (19:16). Nossa época carateriza-se por altas doses de egoísmo, daqueles que têm face aos que não têm, e de insensibilidade. O secretário geral da ONU, Kofi Anan, ao exigir recentemente que o mundo supere a indiferença diante da morte de 22 milhões de pessoas nos últimos anos por Aids, determinou que é imprescindível voltarmos a ser responsáveis uns pelos outros.

• Para a ética judaica, a pobreza não é um problema apenas dos pobres, mas de todos. Leibowitz observa que os profetas dizem “Não haverá pobres entre vós”. Não estão dizendo o que irá acontecer, mas o que deveria acontecer. Sua voz não é de oráculo, senão de exigência moral. Para que não haja pobres, a sociedade deve tomar algumas medidas. Diante daqueles que, na América Latina, atribuem a pobreza dos pobres a eles mesmos, o judaísmo se revolta porque considera tal atitude uma injustiça. Esta mensagem foi recentemente incorporada à Carta dos Direitos Humanos da ONU. Entre estes, foram incluídos os direitos básicos do homem a não ser pobre, à alimentação, à saúde, à educação, ao trabalho, à moradia entre outros. A partir de agora estes são direitos essenciais do ser humano, embora proclamados há milênios pela ética judaica.

• As grandes desigualdades são severamente censuradas pelo judaísmo. Os profetas questionaram-nas implacavelmente e julgaram moralmente os poderosos que as fomentavam. O judaísmo criou uma institucionalidade completa para prevenir as polarizações sociais. A Torá estabelece que a cada 7 anos a terra deve descansar para que os pobres possam aceder a seus frutos. A cada 50 anos a terra deve retornar a seus proprietários originais. Procura-se assim impedir sua monopolização. É o jubileu. Assim mesmo, a cada 7 anos as dívidas devem ser perdoadas. O grande movimento mundial vigente pelo perdão total ou parcial da dívida dos países mais pobres do mundo, encabeçado pelo Papa João Paulo II, apoiou-se nesta mensagem e intitula-se “Movimento do Jubileu”.

• Em recente pesquisa realizada pelo Banco Mundial, 60 mil pobres de todos os continentes disseram que o que mais lhes dói é o desprezo, o fato de serem tratados como pessoas inferiores por serem pobres. A Torá estabelece o mais absoluto respeito pelo pobre. É idêntico aos outros. D’us se preocupa especialmente por ele e exige este respeito. O Rabino Leo Baeck observa que no idioma hebraico não existe a palavra mendigo, por si só pejorativa. Esta determinação de se escutar e respeitar o pobre está sendo um eixo para a ação dos organismos internacionais.

• Como ajudar o desfavorecido? Este tema, discussão permanente nos organismos internacionais, foi analisado por Maimônides no século XII aplicado à ética judaica. O genial sábio identificou oito níveis sobre “a ajuda”. O nível inferior é quando ajuda-se alguém de má vontade. A segunda categoria é quando aquele que ajuda e aquele que recebe desconhecem um ao outro; neste momento, o anonimato que protege a dignidade do pobre é completo. No entanto, o nível mais alto de todos, a melhor ajuda que alguém possa dar, é aquela que fará com que o necessitado não volte mais a precisar dela. Hoje, na ONU e nos principais organismos em prol do desenvolvimento, procura-se que os projetos tenham orientação no sentido de que haja sempre esta auto-sustentação enfatizada por Maimônides.

• Na ética judaica, ajudar os outros é um dever imprescindível. Como tal, não merece nenhum prêmio nem reconhecimento. O Rebe de Lubavitch observa que a ajuda deve ser desinteressada, não se deve esperar nada em troca e, exemplificando isto, destaca que no dia mais sagrado do judaísmo, o Dia do Perdão, nas orações sefaraditas pede-se perdão à D’us não só pelos prejuízos causados ao próximo, mas também pelos atos que não foram feitos desinteressadamente. O Rabino Abraham Y. Heschel diz que ajudar é simplesmente “o modo de viver correto”. O prêmio está em viver-se desta forma. A força destes conceitos no judaísmo, seu contínuo ensinamento no âmbito familiar e na escola judaica assentaram as bases para grandes resultados em matéria de trabalho voluntário. Os países estão tentando dar forças ao voluntariado e vêem com crescente interesse os bons resultados. Israel e as comunidades judaicas têm índices recordes de trabalhadores voluntários. Em Israel, 25% da população pratica trabalho voluntário, produzem principalmente bens e serviços sociais que representam 8% do PNB. Exércitos de voluntários, de diferentes comunidades judaicas do mundo, trabalham diariamente levando adiante suas instituições e programas em proporção superior às médias de seus respectivos países. A conclusão é clara: a possibilidade de desenvolver o voluntariado está ligada à interiorização dos valores éticos pelas pessoas.

• Hoje vemos duas instituições fundamentais do judaísmo que são bases da sociedade: a família e a educação. O judaísmo lhes assegura o mais alto valor. A Torá dá especial destaque. A ética judaica zela vigorosamente pelas relações entre marido e mulher, pais e filhos, irmãos e até sogros, genros e noras. O Rabi Yoshua Ben Gamla criou no ano 69 a primeira escola pública de que se tem referência. Hoje, muitos países estão analisando como fortalecer a família, duramente deteriorada, e gerar educação. O judaísmo tem contribuições muito expressivas para oferecer nestes campos.

• Nas sociedades latino-americanas, entre outras, adota-se com frequência políticas que sabidamente irão significar grande sofrimento para a população, com o argumento de que “o fim justifica os meios” e que são necessários para que haja maior crescimento econômico. A ética judaica não aceita tal raciocínio. Na Torá pode-se ler textualmente que “o fim não santifica os meios”. Refletindo sobre esta diferença, Albert Einstein perguntava “Quem havia sido o melhor condutor dos homens, Maquiavel (autor original do princípio de que o fim justifica os meios) ou Moisés? Quem teria dúvidas sobre a resposta?”

• Como encarar a pobreza e a desigualdade na América Latina e no mundo? O judaísmo indica caminhos que ecoam de forma crescente. Para este, o problema deve ser encarado por uma ação conjunta de todos os agentes sociais. Cada um deles deve assumir suas responsabilidades. Necessita-se de políticas públicas muito ativas. O judaísmo criou a primeira legislação fiscal sistemática para uso coletivo, o dízimo. Por outro lado, a comunidade e a sociedade civil devem organizar-se e agir. E, finalmente, tudo isso não exime cada pessoa de individualmente fazer o correto em cada situação de miséria ou injustiça com que se depare.

• Uma idéia central do judaísmo é a de Tikum Olam – ajudar a consertar o mundo. O Rebe de Lubavitch faz menção a uma simples interpretação de um conhecido episódio bíblico. Depois de sair do Egito e atravessar o deserto, quando os judeus se aproximam de Canaã, Moisés envia 12 exploradores. Ao regressarem, 9 deles desestimulam as pessoas, dizendo-lhes que não continuem. Com freqüência são considerados traidores. O Rebe observa que Moisés escolheu os melhores de cada tribo, eram pessoas excelentes; porque iriam ser desleais? O que ocorreu é que encontraram-se com sociedades perdidas na luxúria, corrupção e idolatria. O povo judeu, no deserto, era em contrapartida um povo espiritual entregado ao estudo da Bíblia. Temiam que seguindo para Canaã pudessem ser contaminados. Mas, se equivocaram disse o Rebe, pois o desejo de D’us era diferente. O que D’us queria não era que se recolhessem para conservar sua pureza e sim que levassem a espiritualidade aos mundanos, que difundissem os valores éticos nas sociedades infestadas de vícios. Em uma época como a nossa, em que tantas ideologias tombaram, a proposta do judaísmo de avançar até que o mundo se redima eticamente – e de que não é permitido ficar à deriva, mas sim agir para transformá-lo e lhe dar valores éticos – prevê grande duração e diz muito a todos os homens e mulheres empenhados em uma humanidade melhor.

A ética judaica está viva e fresca, podendo ajudar a enfrentar o “desencanto do mundo”, o “vácuo dos sentidos” e a inadiável conscientização dos paradoxos da grande pobreza em meio à riqueza potencial que particularizam a América Latina e o mundo. A mensagem deste conjunto ético foi dita pelo sábio do Século I, Hillel: “Se eu não for por mim, quem o será?” significa dizer que todos devemos defender nossa saúde, nossa vida, nossa família; somos insubstituíveis nisto. Mas, acrescentou: “E se eu for somente para mim?”, significando que a vida sem solidariedade, responsabilidade pelo destino de outrem, amor ao próximo, transcedência, não faz sentido. Finalizou: “Se não agora, quando?” O que espera a ética judaica de cada um de nós é que entremos em ação, agora!

Bernardo Kliksberg é presidente da Comissão de Desenvolvimento Humano do Congresso Judaico Latino-americano; assessor da ONU, OIT, UNESCO, UNICEF entre outros organismos internacionais.

Fonte: http://www.morasha.com.br/etica/impactos-da-etica-judaica-no-seculo-xxi.html – Edição 34 – Setembro de 2001.

 

 

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